Folha de S. Paulo


Crítica

Edições analisam com riqueza origens do cinema brasileiro

CINEMA DE FATO (bom)
QUANTO: R$ 59,90 (384 PÁGS.)
AUTOR: Carlos Alberto Mattos
EDITORA: Jaguatirica

Bernardet, 80 (muito bom)
QUANTO: R$ 44,90 (228 PÁGS.)
AUTOR: Ivonete Pinto e Orlando Margarido (orgs.)
EDITORA: Paco Editorial/Abraccine

*

Vez por outra é preciso ser bem pessoal. No caso do autor de "Cinema de Fato" minha admiração vem mais de nossas diferenças do que de proximidades. Carlos Alberto Mattos é um crítico paciente, que aprecia observar seu objeto por todos os aspectos, em lugar de extrair um e privilegiá-lo.

Resulta daí , em "Cinema de Fato - Anotações sobre Documentário", uma coletânea de artigos que dá conta, por vezes de maneira notável, do documentário em seus vários aspectos.

Existe primeiro o Brasil —as discussões em torno da evolução do gênero no período contemporâneo são ricas, seja porque a ele cabe trazer ao espectador "o fato", seja porque se há coisa duvidosa neste mundo é, justamente, "o fato". O que é, quando se manifesta, como a ficção e/ou a encenação o contamina.

Questão tão mais evidente desde a obra de Eduardo Coutinho nos anos 1990. Mattos percorre de Coutinho a Eduardo Escorel, de Vladimir Carvalho a João Moreira Salles, ora questionando, ora lançando luz sobre a natureza da empreitada.

O mesmo tipo de procedimento se manifesta em relação aos documentaristas estrangeiros.

Embora não se trate de um trabalho didático, "Cinema de Fato" introduz o leitor curioso aos fatos que conformaram a evolução do gênero desde Robert Flaherty.

Cada bloco de artigos é organizado segundo o aspecto em maior destaque e sempre precedido por uma introdução. A contribuição de Mattos chega ainda à relevante abordagem dos aspectos históricos do gênero no país, desde os pioneiros do cinema mudo: o que o cinema pode mostrar do Brasil (e que se encontra preservado) é não raro de uma riqueza inesperada (e aterradora).

Como de costume, o livro dispensa um índice onomástico. Trata-se de um lamentável hábito da edição brasileira. No caso, agravado pela falta de notas que completem ou contextualizem devidamente certos artigos. Exemplo: o texto sobre "Zidane" (2006) não traz o nome de seus realizadores.

De outra natureza é "Bernardet 80 - Impacto e Influência no Cinema Brasileiro", homenagem aos 80 anos de Jean-Claude Bernardet , promovida pela Abraccine e organizada por Ivonete Pinto e Orlando Margarido.

Em seus muitos anos dedicados ao cinema, Bernardet foi sucessiva ou alternadamente cineclubista, crítico, professor, historiador, roteirista, ator, mentor de outros cineastas...

Devo estar esquecendo alguma coisa, mas, enfim: é mais fácil enumerar o que Bernardet não fez do que o que fez no cinema.

Pode-se apontar no livro uma falha considerável, que é a ausência da fala do homenageado.

Em compensação, boa parte dos melhores acadêmicos brasileiros, de Lúcia Nagib a Ismail Xavier, sem falar no grupo de críticos, analisa, cada um, um fragmento da multifacetada obra de Bernardet. Trabalhos cuja marca central seria, como escreve Ivonete Pinto, a dúvida. Marca ou obsessão...

Nesse sentido, notar o artigo de Luciana Corrêa de Araújo: raras vezes a dúvida foi tão fértil, no campo do cinema brasileiro, quanto na obra do Bernardet historiador.

Sua análise (e os pressupostos dela) das origens do cinema brasileiro é tão audaz (porque contra o cânone) como original e certeira.


Endereço da página:

Links no texto: