Folha de S. Paulo


crítica

Filme sobre Olavo de Carvalho não traduz bem ideias do filósofo

Matheus Bazzo/Divulgação
O filósofo Olavo de Carvalho durante gravação do documentário
O filósofo Olavo de Carvalho durante gravação do documentário "O Jardim das Aflições"

O JARDIM DAS AFLIÇÕES (REGULAR)
DIREÇÃO Josias Teófilo
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
QUANDO em cartaz

*

Para um filme que pretende apresentar um personagem a um público amplo, "O Jardim das Aflições" talvez sofra de um problema estrutural: são precisos ao menos 60 minutos para que comecemos a saber quem é, afinal, Olavo de Carvalho.

Não é um detalhe. Afinal, seu pensamento, ou parte dele, estrutura-se sobre a premissa de que é preciso conhecer, antes de mais nada, a origem de nossas ideias.

Daí, segundo ele, ser preciso abordar a vida de frente, sem subterfúgios como a concepção marxista (teleológica) da história: como imaginar que a história vai correr em determinada direção?

Eis o ponto em que o documentário nos entrega afinal o fundamento das divergências entre este "maître à penser" da direita brasileira e o comunismo. No mais, é só nesses 20 minutos finais que tomamos contato com aspectos como seu modo de vida e sua crença na eternidade da alma (que faz pensar numa espécie de paradoxo de sua crítica à visão finalista da história: não seria o marxismo uma espécie de religião?).

O documentário de Josias Teófilo começa um tanto torto, pela necessidade de exibir a erudição de seu personagem. Nesse momento, Carvalho é uma máquina de citações: salta de Epicuro a Platão, Aristóteles, a Bíblia, Heidegger.

O cineasta leva o mestre a sua bela biblioteca, onde o que ele destaca é a parte dedicada ao marxismo. Obras completas de Marx, Engels, Lênin, Stálin, Trótski. Tudo lido, dá a entender. Tudo lido? Parece um pouco demais. Perto de Olavo de Carvalho, sábios viram uns pobres coitados: há um tanto de cultura intimidatória nisso tudo.

Carvalho comenta também sistemas de governo. Sua crença é de que os comunistas já estão no poder. Hoje, acredita, as revoluções começam por ser culturais. Trata-se de tomar posse de um aparato intelectual: a universidade, os jornais. Isso é o poder, e os comunistas já o detêm.

O que desemboca no "impeachment" de Dilma Rousseff. Para ele, nesse processo a ex-presidente foi servida como "boi de piranha". No mais, nada mudou. Tudo ficou igual, diz. Não acabou a roubalheira, não acabou o PT, não acabou a Folha. Como? Proibir o PT? A Folha? Há um traço paranoico acentuado em tudo isso. Totalitarista, talvez?

É nesse momento também que o tranquilo homem da natureza e do pensamento demonstra um ressentimento até violento contra os usurpadores que tomam para si o prestígio cultural –muito mais que o poder propriamente dito– que deveria ser dele e o marginalizam.

Talvez a ideia principal de "O Jardim das Aflições" fosse apresentar e ilustrar o pensamento de Carvalho. Limites do documentário, talvez: o intento fracassa. Mostra-se mais efetivo quando nos mostra o personagem, seu modo de ser, de estar no mundo. Isso ocupa parte bem mais modesta no filme do que mereceria.


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