Folha de S. Paulo


Invasão a secretaria da Cultura marca auge de protestos contra gestão Doria

Um grupo de 70 manifestantes, que invadiu o 11º andar do edifício onde funciona a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), decidiu na quinta, após 30 horas, retirar-se do local, no Centro.

A invasão levou ao ápice o conflito entre artistas e a gestão cultural do município. Desde o início administração do prefeito João Doria (PSDB), outras manifestações vinham acusando a gestão de desmonte da área da cultura.

Houve redução de verbas e mudanças em editais; a prefeitura também é criticada por não ter renovado, em março, contrato com educadores dos programas Piá e Vocacional, para crianças e adolescentes –retomados em maio, segundo a secretaria.

No ato desta semana, os manifestantes exigiam a saída do secretário André Sturm, argumentando que falta diálogo com artistas. Eles dizem que continuarão pressionando a prefeitura nesse sentido. Cobram ainda o descongelamento de quase R$ 100 milhões.

Para pessoas próximas a Doria, Sturm sai fragilizado do episódio e precisará se abrir mais a negociações.

O grupo de manifestantes, composto principalmente por representantes da dança, do teatro, da música e do grafite, se recusou a dialogar com o secretário durante a invasão e impôs a presença de outra autoridade do município.

A negociação foi conduzida pelo secretário de Relações Institucionais, Milton Flávio, que classificou a pauta dos manifestantes como inexequível, tentando demovê-los com promessas de descongelamento de verbas.

A liderança do movimento, a entidade de esquerda Frente Única de Cultura, disse que a invasão foi encerrada após ameaça de reintegração de posse. Segundo Milton Flávio, a ação estava marcada para as 23h59 da quinta-feira.

HISTÓRICO

Sturm tem sido alvo de protestos desde o início da gestão. Ele assumiu a pasta vindo da direção do Museu da Imagem e do Som, cujo público havia ampliado de 40 mil (em 2009), segundo a casa, para 446 mil (2016), com populares mostras interativas.

Para Andrea Matarazzo, que, quando Secretário de Estado da Cultura (2010-2012), o colocou na direção do MIS, Sturm faz "mais com menos".

As primeiras manifestações dirigidas à SMC surgiram quando Doria, ainda em dezembro, anunciou que tiraria a Virada Cultural do centro.

Em janeiro, Sturm enfrentou ruidosa reação contra o apagamento dos grafites, determinada pelo prefeito sem participação da secretaria.

No Carnaval, houve marcha contra a organização da festa, a cargo da SMC, e a dispersão pela PM com bombas de efeito moral na praça Roosevelt.

Por fim, na semana passada, divulgou-se áudio em que Sturm ameaça "quebrar a cara" de um gestor cultural durante reunião na zona leste.

Os manifestantes não se contentaram com o pedido público de desculpas e dizem que não é a primeira vez que ele age de forma "truculenta".

"Temos tido de aceitar decisões preestabelecidas e até hoje decisões não foram revogadas em uma vírgula", diz Carolina Nóbrega, uma das porta-vozes do protesto.

Para Rudifran Pompeu, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, na gestão Haddad "apesar dos confrontos, era possível conversar".

Mudanças no edital de Fomento à Dança originaram outra queixa candente. Fábio Brazil, do Instituto Caleidos, diz que Sturm desrespeita a Lei do Fomento para o setor.

"A lei prevê um valor, ele cortou pela metade. Prevê até dois anos de projeto, ele cortou para um. Prevê liberdade de criação, ele nos subdividiu em categorias e estilos."

O ato desta semana teve também na origem o congelamento de 43,5% de recursos na pasta, reduzido agora para 35%, de um total de R$ 641 milhões. O maior corte foi na gestão ambiental: 44,5%.

A maestrina Silvia Luisada, funcionária da secretaria há 24 anos, defende Sturm. Ela diz que o coral e as duas orquestras que montou como trabalho social nunca tiveram apoio, mas que Sturm, ao reabrir o teatro Paulo Eiró, propiciou apresentações a preços populares. "Ele pegou a pasta sem verba e faz o possível."

Para o advogado Dinovan Oliveira, que atua junto a artistas, a invasão "não enfrenta a questão da forma como ela merece" e "não reflete o pensamento democrático que as pessoas que a compõem dizem ter". Para ele, é "cedo para criticar o modelo de gestão que Sturm quer implementar".

O secretário diz que não deixou de cumprir promessas. "No caso da dança, aceitei 13 das 16 propostas. Esperei a resposta sobre o meio-termo para uma 14ª, da verba para projetos. Foram consultar a base e uma semana depois disseram que não há diálogo e que a pasta não cumpre o acertado. Quem não dialoga?"

Para ele, manifestantes elogiariam suas medidas se o prefeito fosse de outro partido.

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LINHA DO TEMPO DA GESTÃO STURM

5.dez.2016
Doria diz que Virada será em Interlagos. Após críticas, Sturm afirma que o autódromo será um dos palcos

31.dez.2017
Doria congela 43,5% da verba da Cultura

6.jan.2017
Charles Cosac é feito diretor da Biblioteca Mário de Andrade

22.fev.2017
Grupos protestam contra congelamento de verbas

6.mar.2017
Emia, escola de iniciação artística, começa seu ano letivo com atraso

11.mar.2017
Secretaria suspende edital de R$ 5 mi para a dança

13.mar.2017
Grupos de dança protestam

15.mar.2017
Teatro Paulo Eiró é reaberto

15.mar.2017
Lançamento de programa para bibliotecas municipais

27.mar.2017
Grupos fazem novo protesto

3.abr.2017
Por falta de verbas, Clube do Choro perde sede

21.mai.2017
Com palcos vazios, Virada não tem casos de violência

29.mai.2017
Após provocação, Sturm ameaça 'quebrar a cara' de agente cultural

1º.jun.2017
Após 30h, grupo encerra invasão da secretaria


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