Folha de S. Paulo


Análise

Filmes almodovarianos podem levar vantagem em Cannes

Diagramação
Jéremie Renier e Marine Vacth em 'L'Amant Double', de François Ozon
Jéremie Renier e Marine Vacth em 'L'Amant Double', de François Ozon

Para prever quem deve levar a Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, que será entregue neste domingo (28), um jeito é tentar entrar na cabeça do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, presidente do júri desta edição.

Se o critério afinidade valer alguma coisa, dois, entre os 19 títulos, levam alguma vantagem: os franceses "L'Amant Double", de François Ozon, e "120 BPM", de Robin Campillo. Ambos são longas com forte identidade visual e carga sensual, assim como a obra de Almodóvar.

Se "120 BPM" colheu mais elogios durante a mostra, o primeiro guarda outras coincidências com os filmes do espanhol: protagonista feminina, trama cheia de reviravoltas e algum humor negro.

A afinidade estética, contudo, pode ser um tiro no pé. Nesse caso, saem na frente os títulos "Loveless", de Andrey Zvyagintsev, e "A Gentle Creature", de Sergei Loznitsa, que não têm nada da voluptuosidade almodovariana.

"Loveless" é apontado como o favorito pela imprensa. No quadro de avaliações da revista "Screen", esse drama familiar é o que atingiu a maior pontuação entre os críticos.

Sua vitória representaria um posicionamento político contra a Rússia de Putin, cujo governo não gosta muito da obra de Zvyaginstev.

A imprensa, contudo, não costuma ser um bom termômetro. No ano passado, o júri capitaneado por George Miller ignorou três dos títulos mais louvados pela crítica: "Toni Erdmann", o então favorito, "Elle" e "Aquarius".

Em sua 70ª edição, o mais importante festival de cinema do mundo só deu a Palma de Ouro a uma diretora uma vez, para a neozelandesa Jane Campion, pelo filme "O Piano" (1993).

Isso leva o público a especular que é chegada a hora da reparação, ainda mais porque entre as juradas há duas mulheres que encampam o feminismo: a atriz Jessica Chastain e a diretora Maren Ade. Neste ano concorrem a japonesa Naomi Kawase, a americana Sofia Coppola e a inglesa Lynne Ramsay.

O longa desta última ainda não havia sido exibido quando este texto foi escrito. Sobre os demais, nem Naomi nem Sofia fizeram feio, mas seus filmes carecem de um manifesto, de um recado.

Além disso, o próprio Almodóvar afirmou que não pretende levar em conta o status do realizador, mas a qualidade do filme. Ele foi enfático também com o tipo de produção para a qual não imagina entregar a Palma: aquelas que não serão vistas no cinema, isto é, "Okja" e "The Meyerowitz Stories", ambas da Netflix.

Ignorá-las, sim, representaria um posicionamento político contra a voracidade do serviço. O alvo, contudo, tem dado de ombros. Já se porta como um vencedor.

O jornalista se hospeda a convite do festival


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