Folha de S. Paulo


Crítica

Tatiana Salem Levy entrelaça com primor política e literatura

Aline Massuca - 15.jan.2015/Valor
Tatiana Salem Levy no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro
Tatiana Salem Levy no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro

O MUNDO NÃO VAI ACABAR (bom)
QUANTO: R$ 34,90 (182 págs.)
AUTOR: Tatiana Salem Levy
EDITORA: José Olympio

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A escritora Tatiana Salem Levy acredita que, apesar de tudo, é preciso viver a utopia. Sua coletânea "O Mundo Não Vai Acabar" mostra que, para isso, o melhor caminho é mergulhar nos livros. Não para fugir do real. Pelo contrário. Em cada um dos textos reunidos, a autora sugere obras que podem, por meio da reflexão libertadora, preparar o leitor para a aspereza da realidade.

As resenhas-ensaios do livro foram publicadas no jornal "Valor Econômico" entre 2014 e 2017 – há algumas inéditas não identificadas. Organizados em três partes –política, memória e literatura–, os textos costuram fatos reais (alguns com deliciosas tintas autobiográficas) e leituras comentadas.

A eleição de Donald Trump nos EUA, por exemplo, leva Tatiana Salem Levy a lembrar a obra da autora de "Origens do Totalitarismo". "Época em que homens brancos levantam o braço direito para saudar homens brancos é época de se ler Hannah Arendt", escreve em "Trump ou: A Banalidade do Mal".

Da mesma forma o conflito entre israelenses e palestinos remete a livros de Amós Oz: "Ao contrário do que pensam os fanáticos, nem os palestinos nem os judeus têm que ir embora", afirma em "Onde Temos Razão Não Podem Crescer Flores".

Mas nem todas as relações são tão óbvias. Há verdadeiros achados, como os comentários sobre o argelino Kamel Daoud (autor de "Meursault, Contra-investigação") ou sobre o filósofo francês Jean-Luc Nancy ("Que Faire?"):

"Em tempos de urgência, tempos loucos como o nosso, eu diria que mais valem as perguntas do que as respostas. São elas que nos impulsionam a fazer, a criar novos modos de existência, a existir mesmo", em "Não Sei o que Fazer".

E não se trata apenas de estrangeiros. Muitas questões urgentes são pensadas a partir de autores brasileiros, como, entre outros, Bernardo Kucinski (memória), Alexandre Vidal Porto (minorias sexuais), Michel Laub (intolerância) e Natalia Ginzburg (políticas de leitura).

Ao mesmo tempo em que procuram dar subsídios para a reflexão sobre o real, os textos permitem enxergar de uma perspectiva diferente alguns elementos da ficção da autora.

O Mundo Não Vai Acabar
Tatiana Salem Levy
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O leitor de "A Chave de Casa", vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2008, vai se identificar com as resenhas-ensaios que tratam da Turquia, das influências literárias de Marguerite Duras e da paixão da autora por Clarice Lispector.

Só fica faltando mesmo um pouco mais de capricho no estilo dos textos, que algumas vezes beiram o academicismo descuidado. Afinal de contas, o leitor de Tatiana Salem Levy está acostumado com um pouco mais de engenhosidade, lirismo e requinte.


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