Folha de S. Paulo


Sofia Coppola atenua tensão sexual em seu novo thriller feminino

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Nicole Kidman, em cena de 'O Estranho que Nós Amamos', de Sofia Coppola
Nicole Kidman, em cena de 'O Estranho que Nós Amamos', de Sofia Coppola

Em sua primeira vez em Cannes, em 1979, Sofia Coppola veio no colo do pai, Francis Ford Coppola. O cineasta a trouxe para comover os jornalistas e evitar ser massacrado por "Apocalypse Now". Nem precisava, o filme levou a Palma de Ouro. Já Sofia, que também se tornou diretora, voltou ao festival em 2006, com "Maria Antonieta", e foi esculachada.

O longa que ela apresenta neste ano, "O Estranho que Nós Amamos", não repete a avacalhação, mas está longe, bem longe, de ser memorável. Em sua tentativa de produzir um thriller com olhar feminino, Sofia pasteurizou a tensão sexual que é a graça do livro "A Painted Devil", de Thomas P. Cullinan.

Na nova versão, que estreou mundialmente nesta quarta (24) em Cannes, Colin Farrell vive um soldado ferido durante a Guerra Civil americana que encontra abrigo num internato feminino isolado no lado inimigo, ao sul do front.

Ali, a religiosa Miss Martha (Nicole Kidman) e suas seis pupilas são sacudidas pela chegada do soldado. E as sexualidades reprimidas afloram nas mais velhas, interpretadas por Kirsten Dunst e Elle Fanning.

"Achava interessante a ideia de uma escola de mulheres de várias idades em meio à Guerra Civil. Mas quis contar a história do ponto de vista feminino", disse Sofia Coppola na entrevista coletiva mais disputada da edição.

A opção por esse ponto de vista faz sentido para uma diretora que levou às telas tramas semiautobiográficas sobre a vidinha vazia de meninas que cresceram orbitando os holofotes hollywoodianos -caso de "Encontros e Desencontros" (2003), "Um Lugar Qualquer" (2010) e "Bling Ring" (2013). Os detratores os chamam de "drama de pobre menina rica".

A ironia é que enquanto Sofia se notabilizou por obras sobre mulheres, a primeira adaptação da obra de Cullinan é carregada de machismo. Também chamado "O Estranho que Nós Amamos", o filme de 1971 é dirigido por Don Siegel e protagonizado por Clint Eastwood, a mesma dupla de "Dirty Harry".

Mas se Sofia atualiza os temas do livro e o despe do machismo que marca a versão cheia de mulheres terríveis da versão de Siegel, por outro lado ela dilui sua carga sexual que transformava a obra numa peça cult e transgressora.

"Nunca tentei fazer uma refilmagem. É para ser a minha versão", disse a cineasta, que refuta a ideia de que tenha feito um longa feminista. "Deixo para o público como interpretá-lo. Para mim, é só o ponto de vista feminino."

O novo filme tem os elementos que marcam a filmografia de Sofia, como a relação entre entre o mundo interior e o exterior, e a feminilidade enjaulada. Só não tem as referências pop, como a moda e a música, embora mesmo num filme de época como "Maria Antonieta" a diretora tenha dado um jeito de inseri-las.

A filha de Coppola defendeu que seu filme fosse visto na tela grande, respondendo à pergunta que já virou clichê nesta edição do festival e que tem a ver com o embate entre Netflix e salas de cinema.

Ao seu lado, Colin Farrell tomou a palavra: "Vocês já viram um vídeo no YouTube em que David Lynch fala sobre a porcaria que é ver filmes no celular?", perguntou e começou uma imitação do diretor cheia de palavrões. "É lindo."

Sua parceira de cena, Nicole Kidman foi comedida. A atriz aparece em duas séries de TV, "Big Little Lies" e "Top of the Lake" -essa última teve sua primeira exibição nesta semana, em Cannes.

"À beira dos 50 anos, nunca tive tantas oportunidades de trabalho graças a essas novas plataformas", disse Kidman.

PARADO E SEM VIDA

Outro título exibido em disputa pela Palma de Ouro foi "Rodin", cinebiografia do veterano francês Jacques Doillon que enfoca a relação do escultor, vivido por Vincent Lindon, com sua discípula Camille Claudel (Izia Higelin).

Teve a pior recepção até agora entre os longas da competição. De ritmo maçante e estilo convencional, mal teve aplausos em sua sessão de imprensa. Foi até xingado de "cinema de velho".

Para o jornal britânico "The Guardian", "Doillon esculpe um excruciante filme ruim". A "Hollywood Reporter" escreveu que é "parado e sem vida, como um velho pedaço de mármore".

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes


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