Folha de S. Paulo


Análise

Melhor voz do grunge, Cornell ajudou a moldar a cena

Quando se pensa nas grandes vozes do grunge, um movimento que não ficou exatamente caracterizado por cantores virtuosos, é difícil encontrar um nome à altura do de Chris Cornell.

Capitaneando o Soundgarden, banda que criou em meados dos anos 1980, ele ajudou a moldar a cena que sairia de Seattle (sua cidade natal, no noroeste dos EUA) e redefiniria o rock na primeira metade dos anos 1990, misturando heavy metal com punk.

Seu visual cabeludo e desleixado, seu semblante fechado e seu jeito angustiado de cantar virariam o padrão. Boa pinta e com físico sarado, não raro sem camisa, tornou-se também um dos rostos mais vendáveis daquela época.

Kurt Cobain, ídolo máximo do grunge, não tinha sua afinação, muito menos seu alcance vocal (até porque não ligava para isso).

Eddie Vedder seria o concorrente mais qualificado. Isso ficou claro no sucesso que ajudou a catapultar a carreira de ambos, "Hunger Strike", música composta por Cornell e gravada pelos dois na banda-projeto Temple of the Dog, em 1991.

Mas a extensão vocal de Cornell era mais ampla do que a do líder do Pearl Jam, assim como seus interesses musicais, que o levariam inclusive a lançar um disco de pegada pop/dance em 2009, o malfadado "Scream".

Fã de Beatles, Bob Dylan, Led Zeppelin e Black Sabbath, Cornell envolveu-se com música desde a infância, primeiro ao piano, depois no violão/guitarra e na bateria.

À frente do Soundgarden, destacou-se a partir do disco "Badmotorfinger" (1991), puxado pelo hit "Outshined". Mas foi no álbum seguinte, "Superunknown" (1994), que todo seu virtuosismo vocal ficaria evidente, além de seu talento como compositor.

Canções como "Black Hole Sun", "Fell on Black Days" e "The Day I Tried to Live" mostravam sua capacidade de alternar graves e agudos com segurança e velocidade.

Eram evidências também de uma personalidade um tanto soturna e introvertida, com suas letras ora depressivas, ora raivosas, ora chapadas. Sintomático do clima da época, o disco vendeu quase dez milhões de cópias e entrou em todas as listas de "melhores dos anos 90".

Encerrado o Soundgarden em 1997, Cornell uniu-se aos músicos do Rage Against the Machine (do qual havia debandado o vocalista Zack de La Rocha) e criou o Audioslave, em 2001.

Caso raro de supergrupo que conseguiu fazer uma carreira de sucesso, o quarteto lançou três discos em seis anos, expandindo os horizontes musicais das duas bandas que lhe deram origem.

Sem deixar o rock pesado, mas investindo em canções mais melódicas como "Like a Stone" e "Doesn't Remind Me", Cornell indicava o caminho que viria a seguir em sua carreira solo posterior, marcada por shows de pegada folk acústica, em que se apresentava sozinho ao violão.

Foi neste formato que ele esteve pela pela última vez no Brasil, em dezembro passado –antes, viera com o reformado Soundgarden (2014) e solo (2007 e 2011).

Nesta sua última passagem por aqui, com a turnê de seu quinto álbum solo, "Higher Truth" (2015), mostrou que continuava em grande forma, dominando a amplidão de um teatro imenso como o Bradesco do Rio apenas no gogó e com um violão.

Mostrou também um insuspeito bom humor e leveza, de cuja lembrança seus fãs podem se valer nessa hora. Para quem preferir o luto, o cantor deixou um vasto e apropriado repertório.


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