Folha de S. Paulo


Protesto contra filmes 'de direita' leva festival Cine PE a ser adiado

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O filósofo Olavo de Carvalho e o diretor Josias Teófilo nos bastidores de 'O Jardim das Aflições
O filósofo Olavo de Carvalho e o diretor Josias Teófilo nos bastidores de 'O Jardim das Aflições'

O festival Cine PE, que começaria em 23 de maio no Recife, anunciou o seu adiamento após sete realizadores terem pedido para que seus filmes fossem retirados da programação por questões políticas. Ainda não há nova data para a mostra de cinema.

Na última quarta (10), sete cineastas assinaram um manifesto em protesto contra o que eles chamam de um "discurso partidário alinhado à direita" na escolha de outros dois dos filmes do Cine PE.

Referem-se a "O Jardim das Aflições" e "Real - O Plano por Trás da História". O primeiro é um documentário dirigido pelo recifense Josias Teófilo sobre o filósofo conservador Olavo de Carvalho.

O outro é uma ficção de Rodrigo Bittencourt que traz atores no papel de FHC, Itamar Franco e dos economistas que criaram o Plano Real.

Hoje em sua 21ª edição, o Cine PE foi criado pelo economista Alfredo Bertini, que ocupou o cargo de secretário do Audiovisual nos primeiros meses do governo Temer.

"Não imaginei que a seleção fosse dar espaço a filmes claramente alinhados a uma direita extremista", diz Arthur Leite, diretor do curta "Abissal" e um dos cineastas que pediram para ter as obras retiradas da programação.

Além de "Abissal", diretores de outros cinco curtas assinam a carta de protesto contra o Cine PE: "A Menina Só", "Baunilha", "Iluminadas", "Não me Prometa Nada" e "Vênus-Filó, a Fadinha Lésbica". Também é signatário o cineasta Petrônio Lorena, do longa "O Silêncio da Noite É que Tem Sido Testemunha das Minhas Amarguras".

FESTIVAL PARALELO

"Sei que o festival tem todo o direito, democrático inclusive, de selecionar os filmes que quiser", diz Leite. "Não quero meu nome e meu filme associados a essas obras nesse momento tão anormal e sensível em que vivemos."

Os diretores querem exibir os filmes de forma independente, no Cineclube CineRua, que faz projeções ao ar livre.

Ao anunciar o adiamento, o Cine PE divulgou uma nota nesta quinta (11) dizendo que "jamais houve quaisquer formas de politização das programações" e que em edições passadas, "se pautou em mostrar tendências, linguagens, estéticas e ideologias da forma mais coerente possível".

A nota do Cine PE diz que o adiamento foi necessário porque a substituição dos filmes dissidentes demandaria mais tempo do que o que há até a ocorrência do festival.

Esse não foi o único entrave dessa edição. A mostra incluiu em sua programação dois filmes que não são inéditos na seção competitiva: "Los Leones" passou no Cine BH, e "O Crime da Gávea" já estreou até no circuito comercial.

Diretora do Cine PE, Sandra Bertini afirmou que ineditismo foi só um critério para a seleção. Ela assumiu a direção do festival depois que o marido, Alfredo, tomou posse no governo de Temer.

Também houve críticas quanto à data escolhida para a realização do Cine PE, que coincidiria com a do Festival de Cannes e poderia esvaziar a mostra pernambucana.

'CENSURA IDEOLÓGICA'

Para Josias Teófilo, diretor do filme "O Jardim das Aflições", há "censura ideológica no cinema brasileiro".

"Como ficou claro no manifesto que eles fizeram, não pode existir debate com um conservador. O debate só pode se dar entre esquerdistas", diz o diretor, que hoje mora nos Estados Unidos e é desafeto de de boa parte da cena do cinema pernambucano.

Nas redes sociais, Olavo de Carvalho se manifestou, chamando o protesto de "patética confissão de derrota".

Criador da mostra Cine PE, Alfredo Bertini assumiu o posto de secretário do Audiovisual em maio, por indicação do ex-ministro Marcelo Calero, quando Temer recriou o Ministério da Cultura.

No cargo, responsável por estabelecer diretrizes para o audiovisual, Bertini protagonizou uma série de polêmicas no meio cinematográfico.

A primeira envolveu a demissão da cúpula da Cinemateca e a nomeação de Oswaldo Massaini Filho, processado por estelionato, para coordenador-geral do órgão. Voltou atrás após protestos.

Foi Bertini também quem nomeou os jurados da comissão do Oscar, que escolheu "Pequeno Segredo" para representar o Brasil, desbancando o favorito "Aquarius".

No meio audiovisual, queixou-se de que a escolha de "Pequeno Segredo" foi política, não artística, já que a equipe do filme preterido, dirigido por Kleber Mendonça Filho, realizou um ato contra o impeachment em Cannes.

Bertini pediu demissão da Secretaria do Audiovisual em dezembro do ano passado.


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