Folha de S. Paulo


Em mostra em SP, artista Alexandre da Cunha trafega entre projeto e ruína

Divulgação
Obra de Alexandre da Cunha, agora em mostra no Pivo
Obra de Alexandre da Cunha, agora em mostra no Pivo

Enormes estruturas metálicas, pedaços de uma betoneira esquartejada, estão espalhadas pelas galerias, lembrando um foguete caído.

Essas cascas de ferro ainda guardam resquícios de concreto, o mesmo material usado na construção do Copan. No Pivô, centro cultural que ocupa dois andares do prédio colossal desenhado por Oscar Niemeyer, Alexandre da Cunha orquestra a colisão de dois universos bem distintos.

De um lado, o artista disseca a máquina de construção. Do outro, mostra composições minimalistas, usando fibras de vassoura, tapetes de banheiro, toalhas de banho e pedaços de roupão. É como se o mundo áspero e abrutalhado da indústria ali roçasse uma esfera íntima e sensual.

Mas um ponto em comum é que nada ali foi feito pelo artista. Cunha, na tradição iniciada por Marcel Duchamp, que construiu seus trabalhos deslocando objetos estranhos para o cubo branco, também opera uma série de deslocamentos, buscando texturas, formas e materiais marcados por uma história.

"Não me vejo como um fazedor de coisas, aquele que molda o material", diz o artista. "É como se eu paralisasse uma coisa que já existe para depois dissecar esse negócio. Não me contento só com o deslocamento. É como se começasse a fazer uma escultura depois de achar o objeto."

Talvez daí os contrastes gritantes de sua obra, que poderia parecer incoerente. Mas um olhar mais atento aos retângulos de tecido esbranquiçado na outra ala da galeria, por exemplo, revela como os logotipos esmaecidos de hotéis e a cara de friso romano do bordado de um roupão podem ser lidos como um estranho projeto arquitetônico, de salas e alcovas incongruentes.

É como se esses espaços pudessem ganhar materialidade concreta, saltando da prancheta intimista de um arquiteto hipotético para a betoneira mais do que real ali perto.

Cunha parece desentranhar das coisas mais delicadas uma potência latente, contrastando o que jaz inerte diante dos olhos do espectador com o que aquilo poderia ter sido em seu auge.

Não à toa, ele diz ver nessas obras ruínas ou fósseis, indícios de uma civilização, uma marca humana que se perdeu.

Todos esses processos de construção e destruição envolvem certa violência, seja ela o estrago provocado no corpo pelo trabalho braçal daqueles que um dia operaram a betoneira ou usaram as vassouras transformadas em escultura, seja ela o potencial de dor e agressão que habita cada fibra de um roupão de banho.

Uma sala escondida da mostra ilustra essa brutalidade. Nela são projetadas imagens de explosões colecionadas pelo artista. Não há ninguém em cena, e a forma das labaredas e nuvens de fumaça lembram mais esculturas estáticas do que o registro de um acidente ou ataque.

No fundo, Cunha articula ali um comentário sobre a domesticação da brutalidade, que sobrevive no dia a dia das vigas, pilares e pias de mármore que nos espreitam.

ALEXANDRE DA CUNHA
QUANDO de ter. a sáb., das 13h às 19h; até 10/6
ONDE Pivô, av. Ipiranga, 200, bloco A, lj. 54, (11) 3255-8703, pivo.org.br
QUANTO grátis


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