Folha de S. Paulo


crítica

Filme 'Beduíno' é uma das melhores obras de Júlio Bressane

Divulgação
Alessandra Negrini em cena de 'Beduíno
A atriz Alessandra Negrini em cena de 'Beduíno'

De que trata "Beduíno", o novo longa-metragem de Júlio Bressane? A pergunta não permite uma resposta a contento. De certo modo, perguntar isso é desconhecer o cinema de Bressane, nunca fundado numa história ou numa mensagem.

É necessário então ver seus filmes, entrar em seu mundo, mergulhar com ele nessa pesquisa incessante de nossos desejos e inquietações, por meio da forma cinematográfica.

Os atores Alessandra Negrini e Fernando Eiras, ambos já habituados a trabalhar com o diretor, envolvem-se em jogos de amor e sexo, e promovem uma representação livre de diversos passados.

O filme trata mesmo de um passado artístico inventariado, e nesse inventário cabem o teatro de sombras, a nudez posada, o trenzinho elétrico, e até uma batalha encenada de modo desconcertante, entre outras coisas.

As composições dos quadros são rigorosas, o que já destaca "Beduíno" da imensa maioria de filmes brasileiros recentes, nos quais a preocupação com a forma é praticamente ausente. Essas composições, contudo, permitem desvarios como uma câmera torta ou balançando em alguns momentos.

É sensível seu aspecto de filme-súmula. Fernando Eiras é um escritor. Ele imagina uma história, e voltamos a "Memórias de um Estrangulador de Loiras", uma das obras mais raras e elogiadas de Júlio Bressane.

Realizado nos anos 1970, no exílio em uma Londres invernal, esse filme dentro do filme mostra Guará, ator símbolo do cinema moderno brasileiro, de cabelos grandes e gestos suspeitos.

O início de "Beduíno", por sua vez, mostra uma cartolina com um buraco de fechadura na frente da câmera. É como se nos convidasse a espiar intimidades, do casal ou de cada um deles, e até mesmo da mente do artista, oferecida mais uma vez ao espectador.

Esse efeito não nos leva somente ao cinema brasileiro dos anos 1970, mas também àquele filme de Manoel de Oliveira que o crítico e cineasta português João Cesar Monteiro chamou de intensamente erótico: "O Passado e o Presente" (1972).

Não é a primeira vez que Bressane e Oliveira, dois grandes do cinema, se aproximam (que o digam "Os Sermões", "Brás Cubas", "Cleópatra" e "A Erva do Rato"). Suspeito que não será a última.

"Beduíno" é uma obra típica de Bressane, e também uma das melhores que realizou neste século, ao lado de "Filme de Amor", "Cleópatra" e "A Erva do Rato".

BEDUÍNO
DIREÇÃO Júlio Bressane
PRODUÇÃO Brasil, 2016
Veja salas e horários de exibição.


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