Folha de S. Paulo


FOLHA DEBATE | FOMENTO À DANÇA

Novo edital desrespeita e fere princípios da lei de fomento

Em março, o secretário municipal da Cultura de São Paulo, André Sturm, substituiu o 22º edital da dança já em curso. A verba foi pulverizada (mais grupos ganham menos) e é considerada insuficiente por parte dos núcleos para a realização adequada das atividades. As mudanças da política ao setor são hoje o principal conflito entre a classe artística e a gestão de João Doria (PSDB). A prefeitura abre dois editais por ano para investir em projetos de pesquisa e produção em dança.

Leia abaixo a opinião da jornalista Elaine Calux sobre a polêmica com o edital (veja também o artigo de André Sturm):

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A Lei de Fomento à Dança para a cidade de São Paulo, fruto de uma intensa luta dos profissionais da dança, foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Vereadores, em 2005.

Seu objetivo era subsidiar grupos, selecionar projetos de trabalho continuado em dança contemporânea e difundir a produção artística independente.

Da união entre artistas e poder público, inúmeras conquistas decorreram nesses 11 anos, sempre resultando em editais aprimorados e cada vez mais em consonância com o desenvolvimento de ações eficazes na cidade.

A desarmonia começou quando o atual secretário municipal de Cultura, André Sturm, revogou o primeiro edital do ano, com número recorde de inscrições (68 projetos) e anulou sua comissão julgadora, lançando, em seguida, novo edital que desrespeita e fere os princípios do Fomento à Dança.

Nos termos da nova seleção, há afronta clara à letra da Lei de Fomento à Dança: redução do período máximo dos projetos de dois para um ano; supressão de competência da comissão em analisar o orçamento e determinar os valores que cada projeto receberá; e pagamento de 60% do valor do projeto somente após sua conclusão.

Essa última medida exige que os grupos se autofinanciem, quando o edital deveria subsidiar propostas com "dificuldade de sustentação econômica do projeto no mercado" (art.15, VII).

O novo edital modifica, assim, o sentido da palavra fomento, destruindo o programa de forma transversal, porque o torna inexequível.

Há ainda, nesse processo, contradições inexplicáveis.

Passados 45 dias do lançamento do novo edital, a secretaria não convocou entidades representativas para indicação de nomes que irão compor a comissão de seleção (o que é uma exigência legal).

No entanto não ter havido ampla convocação foi um dos argumentos usados para anulação de comissão anterior.

Outro agravo é que o Tribunal de Contas do Município pediu suspensão do edital por irregularidades, e no entanto as inscrições permanecem abertas –e ainda tiveram o seu prazo final prorrogado por três vezes.

A categoria, representada pelas cooperativas de dança e de teatro, movimentos organizados e universidades de todo o Brasil (que mostraram seu apoio irrestrito, com o envio de cartas), segue explicitando que não o reconhece, pois são apenas 11 inscritos até o momento.

Esse dado, por si só, faz cair por terra a justificativa do secretário de que desobedece a lei sob a alegação de falta de verba (devido ao congelamento de quase 50% do já inócuo Orçamento da Cultura –menos de 1% do Orçamento da Cidade) e intenção de contemplar mais grupos.

Desde a 10ª edição, o programa contempla a totalidade de projetos (30). Com o corte da verba do 22º edital, aprovado para 2017 (a própria categoria se esforça junto à Câmara dos Vereadores na implementação e aprovação do Orçamento para a pasta), os valores retornam aos praticados na época da instituição da lei, 21 edições atrás.

ELAINE CALUX, jornalista, foi coordenadora do Núcleo do Fomento à Dança de 2009 a 2012, na gestão de Carlos Augusto Calil.


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