Folha de S. Paulo


Valores éticos são a gramática da convivência, diz Eduardo Giannetti

Troche
Ilustração do artista Troche
Ilustração do artista Troche

Você já deve ter ouvido, mesmo que à boca miúda: se alguém tem uma conduta reprovável, é porque não aprendeu bons valores em casa.

Ética, respeito e honestidade são qualidades enaltecidas e alvo de preocupação de pais e escolas, mas desvios são tão frequentes que levam à pergunta: é possível ensinar princípios a outra pessoa?

O economista e ensaísta Eduardo Giannetti compara a assimilação de valores ao aprendizado da linguagem. É difícil dizer quem nos ensinou a falar, mas ninguém nasceu sabendo e todos aprenderam.

"Valores éticos são uma espécie de gramática da convivência. Sem a gramática, não há língua, do mesmo modo como a virtude dá o estilo do convívio", diz Giannetti.

Ele lembra o diálogo entre Platão e Protágoras, no qual esse último argumenta que a consciência e a noção de justiça são traços conquistados a duras penas pela humanidade, que devem ser reaprendidos a cada geração; o ensino começa no colo das mães, passa pela escola e continua por toda a vida em comunidade, com a ajuda da punição dos transgressores.

O educador Mario Sergio Cortella aponta a exemplaridade como melhor maneira de ensinar ética. "É claro que valores podem ser transmitidos pelos pais, mas não com a automaticidade que alguns desejam. Até porque parte da força de uma nova geração vem da oposição à anterior."

Giannetti afirma que a adesão às normas depende de internalização: é preciso entender por si mesmo que a regra é importante para a vida em sociedade, e não ser coagido por castigos ou vergonha.

"Passa por uma educação formal, que ajude a entender a existência de normas não para tolher pessoas, mas permitir que compartilhem o espaço de forma harmoniosa."

Luciene Tognetta, da Unesp, coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, que reúne membros de várias universidades atentos ao ensino da ética nas escolas. Pesquisa do grupo analisou projetos de educação moral de 1.100 escolas públicas e considerou só 2% completos, já que a maioria se resumia em preleções verbais, tarefas e iniciativas isoladas de professores.

No aconselhamento que o grupo promove em colégios, a instrução é criar um ambiente que estimule a autonomia e a autorregulação. "O professor deve dar às crianças condições de resolver problemas pela conversa, deixar que, num conflito, saiam de seu ponto de vista e percebam o do outro. Só assim se desenvolve a autonomia do dever moral", diz a professora.

O colégio Bandeirantes, de São Paulo, dá curso de formação em ética para professores e funcionários e, nas salas de aula, mantém a disciplina Convivência em Processo de Grupo, que ocupa uma hora por semana do sexto ano ao fim do ensino médio, apresentando dilemas morais.

"A ideia é, sem mencionar a palavra ética ou moral, permitir que problemas relacionados apareçam naturalmente", diz a coordenadora, Maria Estela Zanini.

Também para Giselle Magnossão, diretora do Albert Sabin, o ambiente é mais importante do que a aula expositiva para o estímulo da ética. No currículo, há momentos em que alunos são convidados a sustentar posições. "Não é preleção sobre respeito, mas um debate em que o aluno reflete e argumenta."

É possível expandir para toda a comunidade a noção de que o ambiente é peça-chave na formação da moral.

Mesmo rechaçando a máxima de que o homem é produto do meio, Cortella diz que a conduta resulta em boa parte do sistema de valores vigente, a que a pessoa adere "para não se sentir excluída".

Microcosmos como o trânsito oferecem tubos de ensaio, afirma Giannetti. "Se você pegar um motorista carioca e levar a Zurique, em pouco tempo ele estará dirigindo como o suíço, e vice-versa".

Mas o contrato social que rege a vida é mais quebradiço do que se pensa. Na Nova York de 1977, bastou um apagão de pouco mais de 24 horas, entre 13 e 14 de julho, para haver explosão no número de crimes: 1.600 lojas danificadas e mil incêndios foram reportados, levando a mais de 3.000 detenções.

Não é preciso ir tão longe em tempo e espaço: todo brasileiro deve se lembrar da greve de policiais militares no Espírito Santo, em fevereiro, que deixou 198 mortos em três semanas.

"Mesmo em sociedades avançadas, quando há o colapso da dimensão da submissão, rapidamente descamba-se para uma situação de guerra de todos contra todos", afirma Giannetti. "E você percebe como é frágil esse acordo da ética cívica."


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