Folha de S. Paulo


Do comercial ao 'cabeça', editoras do país exploram livros feministas

Divulgação/Baljit Singh
A poeta Rupi Kaur Credito Divulgacao Baljit Singh
A poeta canadense de origem indiana Rupi Kaur

O livro de 208 páginas começou um caminho lento há um mês e agora chega às cabeças. Depois de vender quase 1 milhão de exemplares no exterior —algo raro para um livro de poesia —, "Outros Jeitos de Usar a Boca" (Planeta), da canadense Rupi Kaur, quer repetir o fenômeno no Brasil.

A obra figura, neste sábado (8), no oitavo lugar da lista de mais vendidos de ficção publicada pela Folha. E é mais uma de um filão em que as editoras agora apostam.

Com a mais recente ascensão do feminismo, livros sobre o tema ou que abordam questões do gênero de modo lateral ganham espaço nas prateleiras. É um fenômeno de novos nomes, caso de Chimamanda Ngozi Adichie, e antigos –a obra de Simone de Beauvoir renasceu no Brasil.

Rupi é um exemplo de que algo mudou. "Não havia mercado para poesia sobre trauma, abuso, perda", disse a autora de origem indiana ao jornal britânico "The Guardian".

Após ser rejeitada por editoras, resolveu lançar sua obra via autopublicação. Só um ano depois chegou a uma grande casa e virou fenômeno.

Seus poemas falam de relacionamentos abusivos, a relação com o pai, o empoderamento –termo em voga–, com um pé na autoajuda.

Ficou famosa, em 2015, depois que o Instagram apagou uma de suas fotos. Kaur aparecia de costas, com as calças sujas de sangue menstrual.

A Planeta, sua editora, não divulga a tiragem –mas o mercado estima que passe dos 10 mil exemplares. Para se ter uma ideia, um lançamento grande de um livro de poesia costuma ter mil exemplares.

"O feminismo já é percebido como um 'produto' poderoso pelo mercado. Não só porque as empresas descobriram as mulheres como público mas também porque elas produzem cada vez mais conteúdo com foco no empoderamento", afirmou Raquel Cozer, editora da Planeta.

CIFRAS

Basta ver a obra de Beauvoir, publicada pela Nova Fronteira desde os anos 1980. Até recentemente, saía em tiragens de até 2.000 exemplares, que se esgotavam e ficavam anos fora do mercado.

Agora, não mais. Nos últimos três anos, a obra dela vendeu 40 mil exemplares, 35% a mais do que na década anterior inteira. "O Segundo Sexo", seu livro mais famoso, representa metade disso. Em 2015, a visibilidade da autora foi ampliada a partir da polêmica em torno de uma citação sua na prova do Enem.

Reprodução
A escritora francesa Simone de Beauvoir em foto para a revista
A pensadora francesa Simone de Beauvoir

Não é só no Brasil. A americana Feminist Press, uma das casas feministas remanescentes dos anos 1970, diz ter crescido 25% em 2016.

"Nossos livros estão vendendo melhor do que nunca. E há o interesse no exterior. Na Feira do Livro de Frankfurt, há uma mudança clara. Antes, eu enfrentava o ceticismo dos grandes editores para convencê-los que publicar mulheres era importante", diz a editora Lauren Hook.

Uma das precursoras do fenômeno, Chimamanda Ngozi Adichie, publicada pela Companhia das Letras, vendeu mais de 100 mil exemplares de todos os seus livros. O último,"Para Educar Crianças Feministas", é o quarto no ranking de não ficção no país.

"A apropriação do feminismo pela lógica comercial é inevitável, mas em certos casos opera contra a luta por emancipação. Em outros, é positivo por permitir que o feminismo atinja um público que antes o ignorava", diz Laura Erber, escritora e professora do departamento de teatro da Unirio.

De todo modo, a expansão dos estudos de gênero no meio universitário –ainda que tímida– favorece livros com outro perfil. A editora de esquerda Boitempo, que publica obras do segmento, viu "Mulher, Raça e Classe", da ativista negra Angela Davis, vender mais que o esperado, 14 mil até agora. A tiragem inicial apostava em modestos 6.000.

A tendência é o público buscar não só obras diretamente feministas, mas autoras e personagens mulheres.

Um nome forte é a italiana Elena Ferrante, cujos três volumes de sua tetralogia napolitana já venderam 132 mil. Há até a hashtag #leiamulheres em campanha na internet.

"O feminismo é o movimento político mais forte, articulado e com capacidade de mobilização do país. Mais até que o movimento liberal", diz Carlos Andreazza, editor da Record, nome associado ao conservadorismo político.

Outros Jeitos De Usar A Boca
Rupi Kaur
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"Não sei se é o grupo de pressão que forma mercado, mas há espaço para experiências individuais femininas."

A aposta da Record para breve, nessa seara, é uma autobiografia da artista Marina Abramovic, "Pelas Paredes".

OUTROS JEITOS DE USAR A BOCA
AUTORA Rupi Kaur
TRADUÇÃO Ana Guadalupe
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 29,90 (208 págs.)


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