O imaginário do momento brasileiro de graves instabilidades nos planos institucional e interpessoal alcança um espetáculo centrado na delicada e amarga relação de pai na casa dos 60 com filho autista por volta dos 40.
"Ponto Morto" dói pela franqueza e ternura com que esses dois homens vagam em busca de "um lugar" que os liberte. Nesse "road drama" eles vão da floresta à cidade, e vice-versa. A caminhada desabrocha os porquês, os quereres e as perguntas para as quais não se têm respostas.
O drama de Hélio Sussekind incorpora o espírito lúdico do autor de livros infantojuvenis ao mesmo tempo em que expõe forte travo existencial: é flagrante a adesão beckettiana.
Crescer dói, envelhecer idem. O transtorno do espectro autista em adulto é abordado sob nuances realistas e fabulares feitas com apuro.
Os diretores Camilo Bevilacqua e Denise Weinberg ampliam possibilidades de leitura ao fazer dos atores o pilar do espaço cênico. Os oito metros de diâmetro do piso do Tucarena e o vasto círculo de cadeiras soam na escala intimista substanciada por luz e cenário discretos.
Luciano Chirolli (Humpty, o pai) e Marat Descartes (Dumpty, filho) dialogam de um extremo a outro sem forçar a fala. A ocupação é orbital e o afeto, epicentro.
O pai sente-se sufocado, enxerga no filho uma prisão. Já o abandonara nos primeiros anos de vida, mas voltou. Com a ausência de mãe e avó, coube a ele, enfim, a acolhida masculina. A peça recorta o presente desesperançado após décadas de lida.
Já o menino-homem ama fazer perguntas, encanta-se pelos diminutivos ("Sozinho é diminutivo?", solta essa pérola) e baixa a resistência ao toque nas cenas em que a via do prazer é contraponto, vide o modo como se masturba ou pisa sobre os pés paternos para balançar –imagem-síntese do título.
O poeta Walt Whitman diria que não há dada maior ou menor que um toque. Os criadores sabem que o segredo mora nos detalhes. Tudo está por transbordar. Tudo é limiar na coragem de Descartes em assumir os esgares, os dedos contraídos, o choro em posição fetal. E de Chirolli ao encarar a jornada de desvios violentos, anímicos e físicos.
Enquanto isso, na perigosa "banguela" da realidade, a nação patriarcal e os filhos em transe padecem de suas deficiências.
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