Folha de S. Paulo


Crítica

Biografia 'des-soleniza' escritor João Ubaldo e o próprio gênero

Letícia Moreira/Folhapress
Escritor João Ubaldo Ribeiro na Flip de 2011, em Paraty
Escritor João Ubaldo Ribeiro na Flip de 2011, em Paraty

UBALDO: FICÇÃO, CONFISSÃO, DISFARCE E RETRATO (muito bom)
AUTOR:Juva Batella
QUANTO: R$ 68 (420 págs.)
EDITORA: Vieira & Lent

Para escrever essa biografia literária sobre seu tio, João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), Juva Batella recorre a uma estratégia socrática, colocando dois personagens em diálogo, sentados a uma mesa de bar.

Um deles está escrevendo uma tese sobre a obra de Ubaldo, procurando encontrar nela algum elemento coesivo, já que seus livros são tão distintos um do outro. Para isso, pensa em um narrador errante, uma espécie de voz que "se cola" àquilo que narra e que viajaria de livro em livro.

A existência desse narrador se torna melhor ainda porque é ele que atua na própria biografia, se constituindo a partir de flutuações, perguntas e respostas, interlocutor misterioso e atmosfera de bate-papo.

Aquilo que poderia ser exposto de forma estritamente acadêmica se estabelece como processo de descoberta e vamos acompanhando, um a um, todos os livros, e, indiretamente, conhecendo sua pessoa.

Talvez seja a melhor forma de entrar em contato com um escritor: a partir de seus personagens e de uma análise dialógica com seus livros, o que, no caso de João Ubaldo, é inseparável de suas opiniões sobre o país e os brasileiros.

Se a obra de um escritor se constitui em progresso faz todo o sentido que sua biografia siga este caminho e permita que os leitores o conheçam por meio da construção e não do produto consumado.

E assim como Ubaldo queria "des-solenizar o Brasil", também este livro "des-soleniza" o biografado e o gênero.

Vamos descobrindo a amizade entre o autor e Glauber Rocha, traduções que fez de suas obras para o inglês, processos que antecederam a escrita de seus livros, a infância no Sergipe, a convivência com coronéis e a biblioteca do pai.

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Do primeiro romance, "Setembro Não Tem Sentido", escrito aos 21 anos, até o último, "O Albatroz Azul" (2009), o livro destrincha processos de criação e analisa as obras e como o narrador aparece em cada uma.

Cada capítulo tem uma ilustração de Chica Batella, filha de Ubaldo, que criou uma marca alegórica de sua personalidade: um par de chinelos de dedo. Talvez, diferentemente desse narrador, o autor fosse mesmo um sedentário, que queria ficar em casa de chinelos.

Ou, como declarou, ser um faroleiro "numa ilha deserta e bem longe em que eu ficasse sozinho com três cachorrinhas rottweiller Lala Lelé e Lili e a lancha só aparecesse de quarenta em quarenta dias para levar os suprimentos".


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