Folha de S. Paulo


Crítica

'Um limite entre nós' entrelaça bem drama doméstico e racial

Divulgação
This image released by Paramount Pictures shows Denzel Washington, left, and Viola Davis in a scene from,
Denzel Washington e Viola Davis são Troy e Rose no filme 'Um limite entre nós'

UM LIMITE ENTRE NÓS
ELENCO: Denzel Washington, Viola Davis, Jovan Adepo
PRODUÇÃO: EUA, 2016, 12 anos
DIREÇÃO: Denzel Washington
Veja salas e horários de exibição.

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Há algo em comum entre os melhores filmes adaptados de peças: eles não tentam disfarçar sua origem teatral.

De "Uma Rua Chamada Pecado" (1951), de Elia Kazan, até "Possuídos" (1998), de William Friedkin, de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf" (1966), de Mike Nichols, a "A Pele de Vênus" (2013), de Roman Polanski, nenhum esconde de onde veio.

"Um Limite Entre Nós" pode não estar nessa mesma liga. Mas tem igual orgulho de exalar o cheiro do tablado.

O filme baseia-se na peça "Fences" (1983), de August Wilson, e conta a história do coletor de lixo Troy (Denzel Washington), ex-presidiário e ex-jogador de beisebol, na Pittsburgh dos anos 1950.

Troy queria ter jogado na liga principal de beisebol, então vedada a negros. No presente, seu filho caçula é convidado para um teste em um time de futebol americano.

O conflito se instala quando Troy proíbe o filho de ir ao teste, alegando que ele não terá chances por ser negro. Mas sua mulher, a dedicada Rose (Viola Davis), se coloca contra a decisão.

O filme é uma mistura muito hábil de drama racial e doméstico, mostrando como as feridas causadas pelo racismo dividiram não apenas uma nação como também muitas famílias negras.

O título original, "Fences" (cercas), remete a essas barreiras erguidas para proteger, mas que também isolam.

Ao levar a peça para o cinema, o diretor e protagonista Denzel Washington poderia ter adotado os recursos básicos para tornar "cinematográfica" uma obra teatral.

Para começar, cortar diálogo, transformar palavra em ação. Denzel preferiu preservar o caudaloso texto de Wilson, manter os longos monólogos, em um filme de 2 horas e 19 minutos de duração.

Poderia ter inventado outras locações, transferido cenas de lugar, mas quis manter 90% da ação na casa de Troy.

Poderia ter chamado atores diferentes dos da versão teatral, para criar uma novidade. Preferiu seguir como protagonista, ao lado de Davis –mesma dupla da premiada montagem de 2010.

Todas as decisões se revelam acertadas. Há uma cena ou outra de maior carga simbólica (como o monólogo do protagonista com a morte e, sobretudo, a última sequência) que fogem do tom naturalista ao qual nos habituamos na tela e soam artificiais.

Mas, de resto, "Um Limite Entre Nós" entrega aquilo que promete: um dueto entre dois virtuoses para interpretar uma grande obra (e muitos momentos para brilhar em solos). Como um encontro dos pianistas Martha Argerich e Nelson Freire para tocar a "Suíte no 2" de Rachmaninoff.

Com algum cinismo, pode-se interpretar essa soma de virtuosismo como a pavimentação de uma estrada segura para o Oscar (uma estratégia eficaz, vide a estatueta dada a Davis como atriz coadjuvante e as indicações para filme, ator e roteiro adaptado).

Mas também pode-se relaxar e fruir o trabalho excepcional de atores que conseguem revelar as intenções por trás de cada palavra e de cada gesto, tocando sempre as notas certas de emoção.


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