Folha de S. Paulo


O Oscar de 25 anos atrás não foi tão diferente do Oscar da noite que passou

Quando Billy Crystal, apresentador da cerimônia, foi levado ao palco em cadeira de rodas, usando camisa de força e máscara ao estilo de Hannibal Lecter em "O Silêncio dos Inocentes", os espectadores notaram que o Oscar e 1992 não seria normal.

"Éramos atirados de uma experiência surreal para outra", recordou Jodie Foster, a estrela de "O Silêncio dos Inocentes", que recebeu o Oscar de melhor atriz naquele ano.

As circunstâncias da premiação de 25 anos atrás não foram tão diferentes da cerimônia deste domingo. A política presidencial serviu de pano de fundo (em 1992, Bill Clinton e Jerry Brown, que Billy Crystal comparou brincando às rebeldes cinematográficas daquele ano, Thelma e Louise, estavam tentando impedir a reeleição do presidente George Bush). Os maiores problemas sociais da época (homofobia e sexismo) ganharam destaque no pódio, e cineastas negros estavam ganhando presença.

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Cinema: as atrizes Geena Davis e Susan Sarandon, em cena do filme
As atrizes Geena Davis e Susan Sarandon, em cena do filme "Thelma & Louise", de Ridley Scott

Mas, em 92, quatro dos cinco trabalhos indicados a melhor filme tinham estado entre os 20 maiores sucessos de bilheteria americana do ano; neste ano, esse é o caso de apenas dois dos nove filmes candidatos ("Estrelas Além do Tempo" e "La La Land").

"Naquela época, as pessoas ainda acreditavam que a receita para fazer um filme popular era fazer um filme de alta qualidade", disse Foster.

"Do jeito como a economia moldou o cinema nos últimos 25 anos, os filmes se dividiram entre grandes produções comerciais emburrecidas que visam atrair o maior público possível e filmes que são substanciais e são relegados a uma esfera diferente."

Perguntei a participantes sobre os momentos mais memoráveis da premiação:

A ABERTURA

Uma resenha do "New York Times" descreveu a cerimônia de 1992 como "incomumente animada", e a animação começou com as primeiras cenas que os roteiristas previram para o apresentador. "Foi uma grande entrada para Anthony Hopkins no filme, então sabíamos que funcionaria com Billy", disse recentemente um dos roteiristas da cerimônia televisionada, Bruce Vilanch. "Foi meio que irresistível."

FLEXÕES

O clima bizarro veio desde o início, quando o Oscar de melhor ator coadjuvante foi dado a Jack Palance, que contracenou com Billy Crystal no western cômico "Amigos, Sempre Amigos". Como disse o "New York Times", Palance fez um discurso de aceitação "alegre e irreproduzível".

"Mas Jack era assim mesmo, um sujeito genuinamente estranho e assustador", disse Vilanch.

Então, para exibir sua virilidade, o ator de 73 anos foi para o chão e fez flexões de braço com um braço só. Na sala dos roteiristas, nos bastidores, "olhamos uns para os outros e dissemos 'isto é demais, é hilário'.

Foi o começo de uma sequência de falas divertidas e improvisadas de Crystal que se estendeu noite adentro.

MÃE E FILHA

O Oscar de atriz coadjuvante ficou com Mercedes Ruehl por "O Pescador de Ilusões", mas foi uma de suas rivais na disputa, Diane Ladd, que fez história no Oscar.

Ladd foi a primeira mãe a ser indicada com sua filha (Laura Dern) pelo mesmo filme, o drama sulino "As Noites de Rose". Elas também entregaram a estatueta de melhores efeitos visuais a "O Exterminador do Futuro 2".

"Quando estava sobre aquele palco, olhei para meus pares e então para Laura, foi uma grande honra", disse Diane Ladd. "Tive que fazer muita força para não chorar."

SURPRESA ESPACIAL

Houve mais momentos de emoção quando George Lucas recebeu o Prêmio Memorial Irving G. Thalberg de seu velho amigo Steven Spielberg e da tripulação do ônibus espacial Atlantis, com um Oscar flutuante.

Outra ligação por satélite permitiu ao aclamado cineasta indiano Satyajit Ray recebeu seu Oscar honorário em seu leito de hospital em Calcutá, onde morreria 24 dias depois, aos 70 anos. "Gila Cates, que produziu aquela cerimônia, adorava tecnologia", comentou Vilanch.

PROTESTO PRÓ-GAY

Muitas cerimônias do Oscar vêm acompanhadas de alguma polêmica, e a de 1992 teve sua devida cota.

Defensores dos direitos dos gays fizeram piquetes para protestar contra personagens maus em "Silêncio dos Inocentes", "J.F.K." e "Instinto Selvagem", que acabara de sair, estrelado por Sharon Stone, uma das apresentadoras da cerimônia. "Foi uma boa discussão, mas muito estressante", disse Jody Foster.

Os manifestantes puderam se consolar com o fato de que Howard Ashman –morto um ano antes, aos 40– se tornara a primeira pessoa morta em decorrência da Aids a ganhar um Oscar, pela melhor canção original por "A Bela e a Fera". Seu companheiro de anos, Bill Lauch, recebeu a estatueta em seu lugar.

DISPUTA ANIMADA

"A Bela e a Fera", sucesso enorme da Disney, causou espécie por ser o primeiro filme de animação a ser indicado a melhor filme, algo que não foi bem visto por puristas.

"Depois disso criaram a categoria de melhor longa de animação", disse Vilanch (a façanha só seria repetida por "Up" e "Toy Story 3").

VITÓRIA DO 'SILÊNCIO'

O maior vencedor da noite acabou sendo "O Silêncio dos Inocentes", que se tornou apenas o terceiro filme na história, depois de "Aconteceu Naquela Noite" e "Um Estranho no Ninho", a levar para casa os cinco prêmios mais importantes: melhor filme, direção, ator, atriz e roteiro adaptado (de Ted Tally, baseado no romance de Thomas Harris).

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Legenda:cena do filme
Cena do filme "O Silêncio dos Inocentes", grande ganhador do Oscar de 1992

"Três anos antes eu tinha ganho o Oscar de melhor atriz por 'Os Acusados', e eu fui a única pessoa indicada por aquele filme, então estava sozinha", comentou Foster. "Mas no caso de 'Silêncio dos Inocentes', foi extraordinário. Ganhamos um prêmio atrás do outro e depois nos reunimos todos no backstage. Lembro que todo o mundo estava com calor, transpirando, e todos nos abraçamos."

P.S.

Aquele não foi o único final feliz. Cinco meses mais tarde, Billy Crystal, Bruce Vilanch e seus colegas roteiristas Hal Kanter, Buz Kohan, Robert Wuhl e David Steinberg foram premiados no Emmy pela cerimônia.

"Ganhamos porque jogamos o roteiro fora e o reescrevemos na hora", disse Vilanch. "Isso é Hollywood."

Tradução CLARA ALLAIN


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