Folha de S. Paulo


Milão rompe imagem barroca e requer posto de potência mundial da moda

Com quantas roupas se faz uma coleção? E quantas coleções são necessárias para tirar um país da mesmice criativa e fazê-lo renascer como potência mundial de estilo?

Até a próxima segunda (27), Milão terá apresentado 68 desfiles, mais de 6.000 peças de roupas e, assim, reivindicado o posto de cidade mais conectada à moda atual.

Com a ascensão de estilistas desconhecidos como Alessandro Michele, da Gucci, e Massimo Giorgetti, da Emilio Pucci, além de uma reforma geral de Prada, Dolce & Gabbana, Bottega Venetta e Versace, a semana italiana passa por um renascimento.

As referências barrocas e o viés sensual, características que formaram as bases do imaginário coletivo sobre o estilo italiano estão à sombra das ideias de modernidade difundidas nos desfiles.

Agora, marcas e estilistas repensam o próprio legado imagético para emular propostas alinhadas à nova cara do consumo de moda, sem fronteiras de gêneros, livre de cartilhas de tendências da estação e conectada à cultura jovem e sua forma de se comunicar pelas redes sociais.

Já na temporada masculina, em janeiro, a Dolce & Gabbana, assinalou essa proximidade crescente com os "millenials", a juventude nascida nos anos 1980, e com seus sucessores, a geração Z.

O youtuber americano Cameron Dallas, 22, abriu a apresentação da marca para delírio dos mais de 17 milhões de seguidores de sua conta no Instagram. Da primeira fila, um exército de jovens celebridades da internet fez as imagens do desfile atingirem possíveis futuros clientes.

Outro exemplo desse botox aplicado nas rugas das grifes é a Fendi, marca comandada pela terceira geração de uma família que ficou famosa por fabricar suntuosas peças de pele e de couro.

Neste mês, a marca lançou uma plataforma digital para promover atividades vinculadas à música e à cultura urbana. O "F Is For...", nome do projeto, não pretende vender roupas, mas criar conteúdo para compartilhamento.

Nas fotos de divulgação, jovens aparecem abraçados a estátuas romanas e transformam o visual "vintage" em imagem moderninha.

Algo similar fez Miuccia Prada ao aproximar o mundo das artes e o da moda, quando criou a Fundação Prada para expor artistas contemporâneos em Milão. A proposta também foi seguida por Giorgio Armani, que, além de seu Armani Silos, espaço dedicado à arte, patrocina curtas de jovens cineastas.

'MADE IN ITALY'

"As marcas perceberam que é preciso fazer ajustes nos modelos de negócios e na comunicação. A moda é uma indústria que não é nem só manufatureira, nem só movida por criatividade. Ela está no meio dos dois conceitos", explica o professor e economista italiano Enrico Cietta.

Autoridade mundial em negócios do vestuário, ele é autor de "A Economia da Moda" –em pré-venda por R$ 55 no site da editora Estação das Letras e Cores (estacaoletras.com.br)–, que traça um panorama com base em sua experiência como consultor nos mercados italiano e brasileiro.

Ele cita a Bottega Venetta como exemplo de sua teoria. Jogada no limbo até o início dos anos 2000, época na qual tinha pouco apelo, mas mantinha um produto de extrema qualidade, a marca investiu em design e treinamento para criar uma imagem relacionada ao luxo contemporâneo. A grife agora é uma das mais valiosas do mundo.

"A Itália é um dos poucos lugares que ainda mantêm uma cadeia de fornecimento. A matéria-prima é toda produzida no país, assim como os acabamentos, que sempre foram os diferenciais do 'made in Italy'", explica.

"A partir do momento que as roupas passaram a ser consideradas produtos culturais, a percepção sobre o papel das marcas mudou. Hoje a moda não pode ser encarada como um produto, mas como reflexos de comportamento. É isso que as grifes estão começando a perceber."


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