Folha de S. Paulo


Com Marília Gabriela, 'Constelações' une física quântica e trama de amor

Nick Payne encontrou na física quântica uma maneira de lidar com a dor. Somou a sua emoção pessoal com uma trama fictícia (uma história de amor) e uma teoria quase impalpável (a da existência de universos paralelos). Chegou assim à equação de "Constelações", peça que ganha nesta sexta (10) nova montagem, dirigida por Ulysses Cruz.

Em 2010, logo após a morte do pai, o britânico Payne estava a zapear programas aleatórios quando se deparou com "O Universo Elegante", série baseada no livro do físico americano Brian Greene.

"Foi uma revelação", escreveu o dramaturgo dois anos depois em texto para o jornal "The Telegraph". Ficou atraído pela ideia de multiverso, a de que universos paralelos possam coexistir. E por que não um onde ainda pudesse conversar com o pai?

Escreveu "Constelações" como uma maneira de "dramatizar seu dilema: o impulso de lembrar [do pai] versus a necessidade de esquecer", explicou no periódico inglês.

"Acho que é uma peça movida pela saudade", afirma Cruz. "Sabe que aquela coisa que a nossa necessidade de consolo é impossível de ser satisfeita? Ele tentou se consolar fazendo essa peça. É uma peça romântica, mas sob o prisma da física quântica"

TRAQUEJO

Payne resumiu sua equação nas figuras de Marianne (interpretada por Marília Gabriela), uma uma física quântica, e do apicultor Roland (papel dividido por Caco Ciocler e Sergio Mastropasqua, que se alternam nas sessões).

São personagens desajustados, sem traquejo social: ela, no seu mergulho científico; ele, na sua introspecção com a natureza. No espetáculo, o relacionamento entre ambos é contado em suas diversas formas possíveis, com cada cena sendo repetida quatro ou cinco vezes, mas com algumas alterações.

Logo no início, Marianne conhece Roland numa festa e tenta quebrar o gelo. Depara-se com o apicultor a coçar o cotovelo e comenta: o motivo pelo qual não conseguimos lamber a articulação do braço é por que ali está guardado o segredo da imortalidade. Ele dá um sorriso sem graça e corta a conversa.

Música ao fundo, muda-se a luz, eles trocam de posição e Marianne retoma a sua teoria sobre o segredo dos cotovelos. Mas agora Roland reage de uma maneira diferente.

"Payne usa essa história de amor de um casal para falar como qualquer pequena mudança de atitude pode te levar para um destino diferente, como você poderia ter construído uma outra história", diz Ciocler. "As possibilidades não vividas são fantasmas muito fortes."

Ou, como diz a personagem de Marianne em cena, todas as decisões que você fez ou nunca fez existem num inimaginável e vasto conjunto de universos paralelos.

Muito se toca também na questão da finitude –vide a perda recente do dramaturgo ao escrever o texto–, mas tudo com certo humor amargo, despojado, comenta Mastropasqua, que já havia trabalhado com o texto em 2013 (daquela vez como produtor) em montagem do Núcleo Experimental de Teatro que levava o nome de "Universos".

"Essas emoções são comuns a todos, temos histórias muitos semelhantes, essa tentativa de compreensão, 'de onde vim', 'para onde vou'. E a física quântica representa uma esperança de resposta",diz Marília Gabriela, que diz ter encontrado em si semelhanças também com a personalidade de Marianne.

"Ela é desajustada como eu sou. Embora eu não pareça, eu sou bem bicho. Saio muito pouco de casa, eu me sinto desconfortável em ambientes com muita gente."

LUGAR NENHUM

As ações acontecem quase todas sobre uma plataforma de superfície espelhada e suspensa a menos de um metro do palco. O cenário criado por Verônica Valle representa um local indefinido no cosmo, "um lugar nenhum que também pode ser todos os lugares do universo", afirma Cruz.

É desprovido de objetos e deixa transparecer as estruturas do fundo do palco, com suas cordas e grades. As mudanças de ambiente e de cena são representadas apenas pela iluminação e pelas movimentações do elenco.

Em determinados momentos, a plataforma fica solta, criando nos atores movimentos quase trôpegos, como se perdidos num rincão do espaço. "Isso mexe o tempo todo com a instabilidade, traz um sobressalto", diz o diretor-assistente Leonardo Bertholini.

Depois da temporada no Sesc Santana, "Constelações" segue para o palco em formato de arena do Tucarena. Ali, o espetáculo terá sessões a partir de 7 de abril.

CONSTELAÇÕES
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 19/3
ONDE Sesc Santana, av. Luiz Dumont Vilares, 579, tel. (11) 2971-8700
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 12 anos


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