Folha de S. Paulo


Em abertura do Festival de Berlim, 'Django' ecoa fantasma do nazismo

O bunker onde Hitler passou seus últimos dias pode passar despercebido por quem caminha por Berlim: o local jaz sob a relva de um estacionamento na capital alemã, que apagou como pôde os vestígios do regime nazista.

A uma caminhada de três minutos dali, contudo, o fantasma do nazismo foi revivido na abertura do Festival de Berlim, na tarde desta quinta (9), com a exibição para a imprensa do drama "Django".

A estreia do diretor francês Etienne Comar trata da perseguição nazista aos ciganos a partir da vida de Django Reinhardt (1910-1953): violonista bem-sucedido, embala as noites parisienses com uma música cheia de suingue, ocupando o vácuo deixado pelos ritmos negros, repudiados pelos alemães que ocuparam a França.

Mas Django tem origem cigana. Quando se recusa a tocar na Alemanha, e é levado a deixar Paris e tentar uma fuga rumo à neutra Suíça. O filme começa com uma sequência de impacto: o assassinato de crianças ciganas por oficiais nazistas.

"Há inúmeros paralelos com os tempos de hoje: a viagem de refugiados desalojados, a restrição a viagens e a questão que Django se pergunta, se deveria ou não para certo tipo de público", diz Comar.

Segundo o diretor, que antes havia trabalhado como produtor e roteirista, sua ideia era retratar a vida de um artista vivendo sob um "regime complexo". "A França ainda não é um", diz, referindo-se a uma eventual ascensão da ultraconservadora Marine Le Pen.

A eleição de Trump também ecoou em Berlim durante a coletiva de imprensa do júri do festival, que elegerá os vencedores da competição.

O ator e diretor mexicano Diego Luna, integrante do grupo de jurados, disse que tinha ido a Berlim para "investigar como derrubar muros".

A frase tanto contempla a ideia de se abrir para diferentes culturas, abraçada pelo festival, quanto uma referência à polêmica construção do muro na fronteira entre EUA e México, defendida por Trump.

Luna foi escorado pela atriz americana Maggie Gyllenhaal, que também compõe o júri: "Quero que o mundo saiba que há muitos no meu país que estão prontos para resistir".

Presidente do júri, o cineasta holandês Paul Verhoeven se esquivou de comentar política.

"Estamos aqui para observar a qualidade dos filmes, e não a mensagem política deles. Espero ver diversidade e, talvez, filmes controversos", disse o diretor, que no ano passado lançou o polêmico "Elle".

Além do nazismo e do avanço de uma ultradireita, outro assunto também assombra a Berlinale: o medo do terrorismo.

O festival, que trará à cidade atores como Richard Gere, Ewan McGregor e Hugh Jackman, ocorre menos de três meses após 12 pessoas morrerem atropeladas por um caminhão na capital alemã num ataque reivindicado pelo Estado Islâmico.

A segurança é rígida: há carros de polícia circulando no entorno de onde acontece a mostra e todas as mochilas e bolsas de jornalistas são revistadas durante as entrevistas.

O festival, que vai até o dia 19, tem 18 títulos competindo pelo Urso de Ouro, incluindo o brasileiro "Joaquim", de Marcelo Gomes, além de outras 11 produções nacionais espalhadas em mostras paralelas.

ENCOURAÇADO
Um jornalista russo se irritou com a ausência de filmes do seu país na competição: "É preconceito?", perguntou. Presidente do júri, Paul Verhoeven brincou: "O que eu posso dizer é que gosto de Eisenstein", disse, citando o cineasta soviético

FORTALECIDO
Após "Fogo sobre o Mar", de Gianfranco Rosi, levar o Urso de Ouro no ano passado, o festival optou por incentivar, financeiramente, os documentários: o melhor filme do gênero concorre a um prêmio de 50 mil euros.

SUPERPODEROSO
Esta será a primeira edição da Berlinale que contará com um filme de super-herói na programação: "Logan", de James Mangold. O filme, ambientado num futuro próximo, é protagonizado por Wolverine (Hugh Jackman).

SAUDOSO
Perguntado sobre o cinema de hoje, Paul Verhoeven disse sentir falta dos filmes adultos que se fazia nos anos 1980, inclusive ele. "Hoje só se faz filme com indicação livre ou para adolescentes. Essa é a real ameaça à produção de hoje."

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Berlim


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