Folha de S. Paulo


Crítica

Beleza de 'Redemoinho' está na austeridade

Walter Carvalho/Divulgação
Cena do filme 'Redemoinho', de Jose Luiz Villamarim
Cena do filme 'Redemoinho', de Jose Luiz Villamarim

Não falta quem queira esquecer o ano de 2016. Não é o caso do diretor mineiro José Luiz Villamarim, que esteve à frente de duas boas séries na Globo, "Justiça" e "Nada Será como Antes", ambas exibidas no ano que passou.

Mas é neste começo de 2017 que ele revela seu voo mais alto, com a estreia de "Redemoinho", seu primeiro filme.

Um trunfo inicial do projeto foi a escolha da história a ser adaptada, com base no livro "Inferno Provisório", de Luiz Ruffato.

Por meio da obra desse autor, também mineiro, a vida de operários volta, enfim, ao cinema brasileiro de ficção, universo em que é tão raramente retratada.

Assim, "Redemoinho" se aproxima de "Eles Não Usam Black-tie" (1981) no olhar apurado para o cotidiano dessa classe média baixa.

No entanto, diferentemente do filme de Leon Hirszman, cujo núcleo central é familiar, o longa de Villamarim põe em foco uma relação de amizade, o reencontro de Luzimar (Irandhir Santos) e Gildo (Júlio Andrade, excelente).

Depois de muito tempo afastados, eles se reveem em Cataguases, no interior de Minas Gerais.

É lá onde Luzimar, que trabalha numa tecelagem, vive desde sempre. Já Gildo trocou a pequena cidade por São Paulo décadas antes, mas volta para visitar a mãe, dona Marta (Cássia Kis Magro), na véspera de Natal.

Um clima descontraído inicial se dissolve à medida que dois pontos de tensão, entrelaçados, vêm à tona.

A começar, um dilema captura diálogos e olhares: quem tomou a melhor decisão? Quem fincou raiz ou quem deixou a terra de origem?

Depois, e mais forte, emerge uma tragédia dos tempos de infância, episódio que enreda todos os personagens. É uma sombra que o filme espreita com vagar. E desse modo, sem sobressaltos, "Redemoinho" nos deixa atônitos.

A beleza e o impacto do filme estão, em grande parte, fundados em sua austeridade, em sua recusa aos ornamentos narrativos e estéticos.

Assim são os diálogos do roteiro de George Moura, que se prendem apenas ao que está imbuído de sentido.

Como diretor de fotografia, Walter Carvalho talvez tenha alcançado seu ápice até aqui. O lirismo amargo de "Redemoinho" não existiria sem a precisão dos enquadramentos –é um filme, portanto, para ser visto no cinema.

Na tela grande, fica mais evidente, por exemplo, como a passagem do trem costura a coesão narrativa.

Pelos trilhos de Cataguases, a máquina liga um personagem ao outro enquanto carrega a carga do tempo.

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REDEMOINHO
DIREÇÃO José Luiz Villamarim
ELENCO Irandhir Santos, Júlio Andrade, Dira Paes
PRODUÇÃO: Brasil, 2016, 14 anos


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