Folha de S. Paulo


Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris

Ze Carlos Barretta - 5.set.2012/Folhapress
Tzvetan Todorov, filósofo búlgaro, em palestra do evento 'Fronteiras do Pensamento' em São Paulo, em 2012
Tzvetan Todorov em palestra do evento 'Fronteiras do Pensamento' em São Paulo, em 2012

O filósofo, historiador e crítico literário Tzvetan Todorov morreu, nesta terça (7), em um hospital de Paris, aos 77 anos.

Ele, que era considerado um dos grandes intelectuais europeus da atualidade, foi vítima de complicações da AMS (atrofia de múltiplos sistemas), uma doença neurodegenerativa, segundo informou sua família.

Todorov, nascido na Bulgária em 1939, mas radicado na França desde os anos 1960, é autor de clássicos dos estudos literários como "A Literatura em Perigo", "Crítica da Crítica", "Simbolismo e Interpretação", entre outros livros.

Seus ensaios influenciaram também a sociologia, a semiótica e a antropologia. Para além da teoria literária, Todorov se dedicou a estudar a história das ideias.

Todorov deixa uma obra que falou sobre a alteridade, o amor, a barbárie, a democracia e a vida comum, entre outros temas.

Ele havia recentemente terminado seu último livro, "Le Triomphe de l'Artiste" (o triunfo do artista), que deve sair na França em março.

FORMALISMO

Nascido sob a ditadura na Bulgária, abandonou o país para fugir do comunismo em 1963. As reflexões sobre o autoritarismo se tornariam uma marca importante da sua obra, em livros como "A Experiência Totalitária" e "O Medo dos Bárbaros".

O intelectual teve ainda papel importante na divulgação do formalismo russo no Ocidente, nos anos em 1960 e 1970. O críticos desse ramo da teoria literária, que produziram sua obra na Rússia dos anos 1920, sofreram perseguição política do regime soviético.

No Brasil, esses ensaios estão reunidos em "Formalismo Russo", volume organizado por Todorov e lançado aqui pela editora da Unesp. Seu ensaio "Introdução à Literatura Fantástica" é considerado uma obra seminal no estudo desse gênero literário.

Representante da corrente estruturalista – foi aluno de Roland Barthes (1915-1980) em Paris –, ele se tornou uma figura proeminente da intelectualidade francesa.

Fundou, ao lado do crítico e teórico da literatura Gérard Genette a revista "Poétique" em 1970, antes de passar, nos anos 1980, ao campo da história das ideias. Ele tinha um cargo honorário do Centro Nacional de Pesquisa Científica, mais conhecido como CNRS (seu acrônimo em francês) e foi professor convidado em várias das principais universidades norte-americanas, como Columbia, Harvard e Yale.

Em 2008, Todorov recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias (hoje Princesa de Astúrias) por sua contribuição às ciências sociais.

No discurso de aceitação da honraria espanhola, Todorov se referiu aos deslocamentos em massa, amplificados na contemporaneidade, por um lado, pelas facilidades de viagem, por outro, pelas tensões políticas e guerras, e pregou a tolerância.

"Antes da idade contemporânea, o mundo jamais havia sido palco de uma circulação tão intensa entre os povos que o habitam, nem de tantos encontros entre cidadãos de países. As razões para tais movimentos de povos e indivíduos são múltiplas [...]. A atual rapidez e facilidade das viagens convida hoje os habitantes dos países ricos a praticar um turismo de massas [...]. A população de países pobres tenta, por todos os meios, ter acesso ao que considera o paraíso dos países industrializados, em busca de condições de vida dignas. Outros fogem da violência que assola seus países: guerras, ditaduras, perseguições, atos terroristas."

Colocando ainda como causas de deslocamentos a questão climática, frisou que o século 21, por essas razões, "se apresentava como aquele em que numerosos homens e mulheres terão de abandonar seu país de origem e adotar, de forma provisória ou permanente, a condição de estrangeiros".

Seu discurso se concluía dizendo que "pela forma como percebemos e acolhemos os demais, os diferentes, podemos medir nosso grau de barbárie ou civilização". "Ser civilizado significa ser capaz de reconhecer plenamente a humanidade dos outros, ainda que tenham rostos e hábitos diferentes dos nossos: saber colocar-nos em seu lugar e ver-nos a nós mesmos como se de fora. Ninguém é definitivamente bárbaro ou civilizado e cada um é responsável por seus atos. Mas nós, que hoje recebemos essa grande honra, temos a responsabilidade de avançar um passo a mais no sentido da civilização."

O intelectual deixa dois filhos de seu casamento com a escritora canadense Nancy Huston, que durou até 2014.

REPERCUSSÃO

"'As Estruturas Narrativas' e a sua "Introdução à Literatura Fantástica' foram sempre uma luz quando precisei voltar à questão: se o material da literatura é a linguagem que usamos com tantos outros fins operacionais no dia a dia, o que dá a um texto o carimbo, o estigma, a medalha de 'literário'? Seus trabalhos ajudam a pensar de que forma textos em tudo diferentes podem comungar de poderes semelhantes. E Todorov refletiu a respeito de tudo isso escrevendo de forma bonita e compreensível, e portanto generosa"
Estevão Azevedo, escritor

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"Gostava dessa profundidade múltipla que o Todorov tinha, uma grande capacidade de análise. Como a arte contemporânea não é uma coisa só [e mistura linguagens], a especialização não deu certo. E esses caras, como ele e o Umberto Eco, ficaram em destaque. Fico pensando como vamos fazer sem eles."
Ricardo Lísias, escritor

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"A meu ver, seus melhores livros são "Teoria dos Símbolos" e "Os Gêneros do Discurso", densos de erudição e brilhantes na formulação. Realizou seus dois desejos: foi um grande pesquisador (não da Idade Média), teve filhos e netos. Não pretendia ser uma estrela internacional mas o foi, em conferências sábias e generosas. Estou muito triste por sua morte."
Leyla Perrone-Moisés, crítica literária


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