Folha de S. Paulo


Francis fez duelo em bar e odiava uísque vagabundo, lembram amigos

Divulgação
O jornalista e escritor Paulo Francis no programa Roda Viva da TV Cultura. [FSP-Folhateen-10.02.97]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O jornalista e escritor Paulo Francis, em 1997

Os amigos garantem que aquele estilo mordaz —às vezes virulento— era só uma persona pública. Em pessoa, Paulo Francis era um doce. Eles não esqueceram sua grandes histórias, como o duelo em um bar do Rio de Janeiro, que precisou ser apartado, os petardos verbais contra um ex-ombudsman da Folha —ou mesmo sua aversão a uísque vagabundo.

Abaixo, reunimos nove histórias sobre o jornalista, que completa 20 anos de morte neste sábado (4).

Rubens Mano - 9.jun.88/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 09-06-1988: o jornalista Zeca Camargo (José Carlos Camargo) na editoria de Cidades, na redação do jornal Folha de S.Paulo. (Foto: Rubens Mano/Folhapress. Negativo SP04256-1988) ***NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DA DIREÇÃO*** Zeca Camargo na redação da Folha, nos anos 1980

'Olha só quem veio nos visitar, Jojo!'

"George Bush (pai) tinha acabado de tomar posse, e, para o jantar que eu tinha com o Francis no dia seguinte, nosso primeiro encontro, preparei-me para discutir o novo presidente dos EUA.

Imagine minha surpresa ao ser recebido pelo meu anfitrião de robe de chambre, com um gato no colo e falando como bebê (não comigo, mas com o felino): 'Olha quem veio nos visitar, Jojo!'.

Da convivência, sinto saudade até dos telefonemas na madrugada, quando ele lia (na íntegra) enormes artigos da revista 'The New Yorker' pelas horas insones...

Ele brincava que morava em Nova York (onde fui correspondente desta Folha, junto com ele, em 1989), porque queria ver de perto a queda do 'império americano'. Ah se você ainda estivesse aqui, Francis..."

(Zeca Camargo, apresentador)

Marlene Bergamo - 26.mar.12/Folhapress
SAO PAULO-SP-BRASIL-26/3/2012- Debate que marca o lanamento do selo Trs Estrelas, da empresa Folha da Manh. Participam Ana Estela de Souza Pinto, mediadora do evento, -esquerda para direita -Caio Tlio Costa, Jos Arbex, Ana Estela, Oscar Pilagallo, autor de
O jornalista José Arbex Jr.

'Sou um grande palhaço nacional!'

"Andávamos pela Quinta Avenida -eu era correspondente da Folha em Nova York-, conversando sobre o personagem Paulo Francis. Uma hora ele me interrompeu: 'Eu sei que sou um grande palhaço nacional!'

Ele tinha consciência de que montou um personagem. Em pessoa, ele era outra coisa. Um dia falei para ele que eu estava no lugar errado, que deveria estar em Moscou. Ele foi parte do processo de convencer o jornal a abrir uma sucursal lá.

Mas tentou me convencer a não ir, achava que eu ia sofrer muito. Em um desses dias em que tentava me convencer, ele disse: 'Ontem eu assisti à transmissão de uma discussão no soviet supremo. E cheguei à conclusão de que o Lênin não morreu de tiro, e sim porque o cérebro dele explodiu de ouvir tanta besteira!'".

(José Arbex Jr., jornalista)

Frederico Rozario/Folha Imagem
O jornalista Janio de Freitas.*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O jornalista Janio de Freitas, em foto sem data

'Francis pôs para fora uma pessoa inventada'

"Tenho a impressão de que, no jornalismo, desde o começo como crítico de teatro, o Francis pôs para fora uma pessoa inventada, que em certa medida terá correspondido a certas irritações, ressentimentos que ele possa ter tido.

Mas não é que isso fosse um traço constante. Era um dos lados dele, associado ao jornalismo.

O Francis tinha voltado a escrever no 'Diário Carioca' quando o [jornalista] Carlos Castelo Branco assumiu. E o Castelinho era muito exigente com o texto, porque escrevia magnificamente. E o Francis tinha um texto meio pedregoso.

O Castelo fazia críticas, e ele as aceitava com uma tranquilidade... Depois, conversando comigo, também me contou desse aprendizado dele com o Castelinho."

(Janio de Freitas, colunista da Folha)

Sérgio Andrade - 28.out.92/Folhapress
ORG XMIT: 072401_0.tif O jornalista Ruy Castro na Livraria Cultura, em São Paulo, no lançamento de seu livro
O jornalista e escritor Ruy Castro, em 1992

'Ele perdeu os empregos; aí veio 'O Pasquim''

"Em 1968, somando as colaborações para os cadernos diário e semanal de cultura do 'Correio da Manhã', e para a revista 'Diners', todos dirigidos por Paulo Francis, devo ter escrito pelo menos 200 artigos sobre absolutamente quase tudo, a maioria a seu pedido.

Um a um, ele os recebeu em sua mesa, leu com certo enfado, submeteu a uma ou outra canetada, riu de alguma passagem, titulou e mandou publicar. Melhor ainda: mandou pagar.

Naqueles meses, no Rio de Janeiro, nenhum outro garoto de 20 anos produziu tanto, nem teve como mestre um profissional tão estimulante.

No fim do ano, veio o AI- 5, Francis foi preso e perdeu todos os empregos. Fiquei na rua. Mas, pouco depois, já em 1969, surgiria 'O Pasquim', para onde ele, de novo à solta e incorrigível, também me levou."

(Ruy Castro, colunista da Folha)

Ricardo Borges - 1,jan.15/Folhapress
Rio de Janeiro, RJ,BRASIL,, 01-01-2015; lança projeto de restauro da pintura-mural (32m x 6m) feita por Ziraldo em 1967 para o Canecão. A obra, que foi tapada e murada em reformas da casa de show, estava escondida e será restaurada em um
O cartunista Ziraldo

'Ele estava no meio da cela, só de cuecão'

"Fiquei preso com o Francis depois do AI-5 [em 1968]. Quando cheguei ao quartel, ele já estava lá, de pé, de cuecão, no meio de um dormitório. Quis até desenhar, porque era cenário de filme.

O Francis me parecia enorme no meio da sala, com raios de sol que incidiam direto no rosto dele, vindos de buracos na telha. Como se ele fosse o iluminado, um apontado por Deus.

Contando agora parece uma coisa cinematográfica, mas na hora foi realmente assustador. Não fomos presos, fomos sequestrados. O Francis me olhava como se dissesse: 'Uai, pegaram você?'. Pegaram todo mundo.

Ele era muito divertido, um sujeito brilhante. No quartel, cada militar tinha um preso que era 'seu'. E havia esse coronel, muito culto, que ia conversar com ele, porque queria ouvir as suas opiniões."

(Ziraldo, cartunista)

Fabio Teixeira - 15.jul.14/Folhapress
RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL - 15.07.2014 - Sérgio Jaguaribe mais conhecido como cartunista Jaguar posa para fotos e concede entrevista para Folha em seu apartamento no leblon zona sul da cidade. (Foto: Fabio Teixeira / Folhapress / FSP ILUSTRADA) *** EXCLUSIVO FOLHA***
O cartunista Jaguar, que foi preso com Francis

'Esse uísque eu dou para minha empregada!'

"Quando fomos presos [no dia seguinte ao AI-5, em 1968], ficávamos todos de cueca naquele calor horrível na cela. Eu subornava os guardinhas do quartel para me trazerem cachaça do botequim da esquina. E ficava no canto da cela bebendo, sem nunca fazer a barba.

Ele e o Paulo Garcez [fotógrafo] ficavam andando pela cela com uns galhinhos que encontraram, com pose de dois britânicos na Índia. Me olhavam e diziam: 'Look! He looks almost like human!'.

O Francis era muito engraçado. Outra vez, tocou minha campainha em casa perguntando se eu tinha uísque. Eu disse que tinha Old Eight, que a gente chamava de Odette e eu bebia de gole. 'Old Eight? Esse uísque eu dou para a minha empregada!' E virou as costas."

(Jaguar, cartunista)

Leo Pinheiro - 9.nov.11/Valor
09/11/01 - CULTURA SERGIO AUGUSTO (JORNALISTA) ASSUNTO: ESTA LANCANDO UM LIVRO FOTO: LEO PINHEIRO/VALOR REPORTER: ALEXANDRE AGABITE ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
O jornalista Sérgio Augusto

'De repente, os dois atracaram-se'

"Do duelo de Francis com o crítico de cinema Antonio Moniz Vianna, nos anos 1960, só se lembram os que o testemunharam, no extinto bar Gôndola, em Copacabana. Francis escrevia na 'Última Hora'; Moniz, no 'Correio da Manhã'. Embora muito amigos, começaram a trocar farpas. Ao comparar Francis a um mulo falante das comédias da Universal, Moniz ganhou o primeiro round retórico.

A decisão foi no tapa, num encontro casual, no bar, onde Moniz e amigos bebiam. À primeira troca de olhares, os dois começaram a bufar ofensas e ameaças. De repente, atracaram-se. Graças à turma do deixa-disso, o duelo durou menos de um minuto, e as únicas baixas da fugaz refrega foram os óculos dos dois desafetos, que, pouco tempo depois, voltaram às boas para sempre."

(Sérgio Augusto, jornalista)

Adriana Elias/Folha Imagem
O jornalista Caio Túlio Costa, da Folha de S.Paulo, na 2ª Conferência Internacional de Jornal na Educação.*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O jornalista Caio Tulio Costa, primeiro ombudsman da Folha

'Até a morte dele, não nos falamos mais'

"Éramos muito amigos, além de companheiros de trabalho. Começou a haver por parte dos leitores, principalmente os petistas, uma reação a como ele tratava líderes do PT. Como ombudsman da Folha, dei conta dessa reação.

Expliquei aos leitores quem era o Francis que escrevia ali, que deveriam dar um desconto, era mais cronista que jornalista...

O Francis reagiu centenas de decibéis acima. Começou uma série de ataques, que, no começo, tentei responder tecnicamente, mas em uma das resposta também fiz uns xingamentos.

Virou uma briga lendária, polêmica importante. Acho que colaborou para a saída dele do jornal. Mas continuei com carinho em relação a ele. E sei que era recíproco. Mas até a morte dele não nos falamos mais."

(Caio Túlio Costa, jornalista e ex-ombudsman da Folha)

Ormuzd Alves - 19.set.98/Folha Imagem;
O escritor Diogo Mainardi. [FSP-Ilustrada-19.09.98]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O jornalista Diogo Mainardi, nos anos 1990

'Francis foi uma revelação absoluta'

"Sou péssimo para anedotas, porque não é pertinente. Acho que ninguém teve um impacto tão brutal, tão violento quanto Paulo Francis [na imprensa].

Para minha geração foi uma revelação absoluta. Estávamos enclausurados pela ditadura e pelo proselitismo esquerdista. Então veio ele, que era uma voz autônoma, livre, com seu impacto incalculável. E que não pode ser repetido.

E ainda houve a importância dele para a televisão. Na semana passada, mostramos pedaços da participação dele [no programa 'Manhattan Connection'].
Aquele grau de liberdade na TV não pode ser repetido, feito com a graça que ele tinha, com a coragem. Tinha a ver com as qualidades intelectuais dele e as circunstâncias [do país], algo que não se repete.

(Diogo Mainardi, jornalista)


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