Folha de S. Paulo


Crítica

Emoções de Juliette Binoche evaporam em papel sem empatia

Em "A Aventura" (1960), de Michelangelo Antonioni, uma mulher desaparece misteriosamente em uma viagem; seu noivo e sua melhor amiga passam a procurá-la e acabam se apaixonando.

Em "A Espera", dirigido por Piero Messina e baseado livremente em duas peças de Luigi Pirandello, um corpo ausente, e o mistério em torno dele, é também o elo que une as protagonistas.

Em uma mansão isolada, perto de uma vila siciliana, a enlutada Anna (Juliette Binoche) recebe a visita da francesa Jeanne (Lou de Laâge), namorada de seu filho Giuseppe , em meio a um funeral.

Divulgação
A espera [L'attesa, França, Itália, 2016], de Piero Messina (Imovision). Gênero: drama. Elenco: Juliette Binoche, Lou de Laâge, Giorgio Colangeli ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Anna (Juliette Binoche) e Jeanne (Lou de Laâge) em 'A Espera', de Piero Messina

Anna diz que se trata do velório de seu irmão e que Giuseppe chegará em breve para a Páscoa. Jeanne aceita se hospedar ali, à espera do namorado. Mas o filme nos dá pistas de que o morto é, na verdade, Giuseppe.

"A Espera" é o tipo de filme que deliberadamente deixa suas perguntas no ar: Giuseppe se matou? Por que Anna não conta a verdade a Jeanne? E por que Jeanne não percebe a verdade que está diante de si?

Em vez de respondê-las, Messina prefere se concentrar na relação de sutil hostilidade, sororidade e, enfim, dependência que se estabelece entre essas duas mulheres conectadas por uma ausência.

Elas precisam uma da outra para compreender o ser que se foi, para negar sua morte ou, talvez, para completar seu luto. É como um triângulo amoroso com um vértice desaparecido.

Messina foi muito comparado a Paolo Sorrentino, de quem foi assistente em "A Grande Beleza" (2013). Eles têm o mesmo gosto pela estetização, mas o estilo do primeiro é mais solene, algo que é atenuado pelo cinismo do segundo.

"A Espera" tem outras inspirações. O investimento na ambiguidade deve muito ao cinema de Antonioni. Já a simbologia religiosa que pontua a narrativa parece ser um tributo a Andrei Tarkóvski.

MESTRES E DISCÍPULO

Como os mestres italiano e russo, o discípulo Messina aposta nos quadros cuidadosamente compostos, na trama rarefeita, no ritmo lento e no silêncio.

Mas o que era novidade 50 ou 40 anos atrás tornou-se clichê institucionalizado do "filme de arte". Na busca por uma narrativa misteriosa, Messina acabou fazendo um filme que parece todo sinalizado.

A cem metros, uma sequência poética, esteticamente impecável, sobre o vazio; à direita, uma alegoria sobre a volta do filho pródigo na Páscoa; à esquerda, um momento para Binoche brilhar com emoção contida.

CARNE VS VAPOR

Há uma diferença essencial entre Antonioni e Messina: ainda que mergulhados na psicologização, os personagens de "A Aventura" pareciam seres de carne e osso; os de "A Espera" soam como abstrações mentais, ainda mais etéreos que o desaparecido.

Por isso, é fácil se impressionar com a beleza das imagens do filme, mas difícil estabelecer qualquer empatia com os personagens. Por isso, as emoções tão bem interpretadas pela grande atriz que é Binoche parecem evaporar no espaço entre a tela e o espectador.

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A ESPERA (L'ATTESA)
DIREÇÃO Piero Messina
ELENCO Juliette Binoche, Giorgio Colangeli, Lou de Laâge
PRODUÇÃO França/Itália, 2016, 14 anos
QUANDO: Estreia nesta quinta (2)


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