Folha de S. Paulo


Crítica

'A Qualquer Custo' é um ótimo faroeste moderno

Entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1980, o cinema norte-americano viveu uma fase excepcional.

Diretores como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Sidney Lumet fizeram dramas, policiais e "thrillers" que capturaram o espírito conturbado da época e revelaram atores como Al Pacino, Dustin Hoffman, Robert De Niro e Gene Hackman, anti-heróis que fugiam dos estereótipos dos galãs hollywoodianos que os precederam. "A Qualquer Custo" lembra os filmes daquela época.

O filme é um faroeste moderno: no Texas, os irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster) realizam uma série de assaltos a pequenos bancos. Os crimes atraem a atenção dos Texas Rangers, força policial civil texana, e dois oficiais são destacados para o caso: Marcus (Jeff Bridges), veterano prestes a se aposentar, e Alberto (Gil Birmingham), um descendente de índios e alvo habitual das piadas politicamente incorretas de seu parceiro Marcus.

Divulgação
A qualquer custo [Hell or High Water, Estados Unidos, 2015], de David Mackenzie (California Filmes). Gênero: drama. Elenco: Chris Pine, Ben Foster, Jeff Bridges. Classificação: verifique em www.justica.gov.br/seus-direitos/classificacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Jeff Bridges (com o rifle) é candidato ao Oscar de melhor ator coadjuvante em 'A Qualquer Custo'

A ação do filme se divide entre essas duas duplas. O diretor escocês David Mackenzie gasta um bom tempo explorando as relações entre os irmãos Toby e Tanner e os colegas Marcus e Alberto, e isso dá ao filme uma profundidade emocional que o diferencia de um "thriller" policial qualquer. Todos os personagens são complexos.

A relação entre os dois irmãos é especialmente rica: Toby é o mais cerebral e responsável, enquanto Tanner, recém-saído da prisão, é explosivo e violento.

O roteiro de Taylor Sheridan, autor do ótimo "Sicario" (2015), vai revelando, pouco a pouco, as dolorosas histórias da família, que ajudam a compreender –e não justificar– a opção dos irmãos pela vida de crimes. O elenco é de primeira, com destaque para dois atores excepcionais de diferentes gerações: Jeff Bridges, 67, e Ben Foster, 36.

Bridges é um remanescente da turma de Pacino e De Niro, cuja carreira começou naquele período de ouro do cinema norte-americano; já Foster tem se destacado em papéis coadjuvantes, nos quais, invariavelmente, rouba o filme. Foi assim como o psicopata de "Alpha Dog" (2006), o bandoleiro de "Os Indomáveis" (2007) e, especialmente, no drama "O Mensageiro" (2009), em que interpreta um militar cuja missão é avisar as famílias de soldados mortos em combate.

Voltando ao cinema dos anos 70: os grandes filmes do período –"Um Dia de Cão" (Sidney Lumet, 1975), "A Conversação" (Coppola, 1974), "A Trama" (Alan J. Pakula, 1974), "Taxi Driver" (Scorsese, 1976)– conseguiam, mesmo em pequenas histórias pessoais, explorar o clima e as circunstâncias de suas épocas. Era um cinema político, mas não panfletário.

Sem querer comparar a qualidade de "A Qualquer Custo" com a desses clássicos, é evidente que Mackenzie conseguiu contar uma história que diz muito sobre a América dos anos 2010, com a decadência financeira do interior dos Estados Unidos, o difícil relacionamento do país com sua população indígena e a desesperança de muitas famílias arruinadas pela crise de 2008.

Quem porém preferir ver o filme como um simples faroeste vai se divertir: as cenas de tiroteios e perseguições de carro são muito bem-feitas.

"A Qualquer Custo" foi indicado a quatro Oscar –filme, ator coadjuvante (Bridges), edição e roteiro original– todos merecidos. Faltaram só as indicações de David Mackenzie a melhor diretor e, principalmente, a de Ben Foster como ator coadjuvante. Ficam para a próxima.

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A QUALQUER CUSTO (HELL OR HIGH WATER)
DIREÇÃO David Mackenzie
ELENCO Chris Pine, Ben Foster, Jeff Bridges, Gil Birmingham
PRODUÇÃO EUA, 2016, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta


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