Folha de S. Paulo


Lotado de projetos, Miguel Falabella estreia 'O Homem de la Mancha'

Miguel Falabella, 60, diz ter vontade de investir em musicais originais no Brasil.

"Queria, quero recuperar, eu vou fazer ainda", afirma o ator e diretor à Folha durante um almoço em um restaurante paulistano. Conta da intenção em fazer um musical chamado "Guanabara", inspirado na vida bucólica que levou durante a infância na Ilha do Governador, no Rio.

Por enquanto, a originalidade ele credita à sua montagem de "O Homem de la Mancha", musical que reestreia no dia 9 de março no Teatro Alfa, em São Paulo.

A obra do norte-americano Dale Wasserman, com música de Mitch Leigh e letras de Joe Darion, não é uma releitura de "Dom Quixote". Fala de seu autor, Miguel de Cervantes, que, preso pela Inquisição, encena seu famoso romance para se defender.

Em sua versão, Falabella transporta o ambiente espanhol para um manicômio brasileiro, repleto de referências ao artista sergipano Arthur Bispo do Rosário (1911-89), que sofria de esquizofrenia.

"É um dos trabalhos de que mais me orgulho", diz o diretor. "A grande fala da peça [de 1965], que é 'ver a vida como ela é, e não como ela deveria ser', traz a história para hoje, quando vivemos momentos aterradores. É uma ficção científica [o momento político brasileiro]. Nós não temos líderes. Tragam um mocinho, por favor."

Lenise Pinheiro/Folhapress
Peça
Cleto Baccic e Jorge Maya em 'O Home de la Mancha'

Na TV, critica o país na série "Brasil a Bordo" (Globo), que já teve seus episódios gravados, mas ainda não tem previsão de estreia. "É um voo cego sobre o país", afirma o ator sobre o programa, retrato de uma companhia aérea falida cujo slogan é "Prefere de ônibus?". "Tem até arrastão dentro do avião."

Indiretamente, as piadas fazem referências a figuras políticas do país, como um deputado corrupto (Eduardo Cunha) e sua mulher, que não se separa de sua bolsa azul (Cláudia Cruz foi acusada de gastar dinheiro de propina em itens de luxo) até vê-la afanada por uma aeromoça cleptomaníaca.

PIZZA

Falabella divide-se entre outro trabalho de direção, o monólogo "Uma Shirley Qualquer", com Susana Vieira, e "God", peça na qual interpreta um Deus insatisfeito com os feitos humanos.

"E eu faço para aquela plateia específica. Se eles forem talentosos, terão o melhor. Se não forem, eu corto pedaços inteiros [do texto]. Ahhh, sem dó nem piedade. Estão chatos, querem comer pizza? Eu vou aliviar para vocês: vão comer a pizza. Se a bola não está voltando, vou ficar eu jogando sozinho? Mas isso raramente acontece."

Também prepara para o próximo ano uma montagem do musical "Annie", sobre uma garota que sofre maus-tratos no orfanato. Terá a participação do grafiteiro Eduardo Kobra. "A minha ideia é ele criar uma padronagem para a gente imprimir, fazer os tecidos dos figurinos. Eu não quero fazer uma coisa realista. É uma menina numa cidade hostil, no meio de tantas."

Valentino Mello/Divulgação
Susana Vieira em cena da peça
Susana Vieira em cena da peça 'Uma Shirley Qualquer'

E diz que o mercado de musicais cresceu enormemente no país, mas ainda faltaria alinhá-lo ao turismo. "Por que não se faz uma campanha São Paulo Canta? Que é como eles venderam Nova York. Musical é uma realidade, acabou, ponto. Quem não gostar passa no caixa."

Para ele, o que se perdeu no Brasil foi uma "economia teatral": peças comerciais, mas não necessariamente de grande produção, e que atingissem um grande público.

"Era um teatro para o mundo real. Se a classe média quisesse se distrair, teatro era uma boa opção. Isso desapareceu e era o que nos permitia ter uma economia."


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