Folha de S. Paulo


Com 'Carrossel' e 'Roque Santeiro', musicais investem em adaptar novelas

É um vale a pena ver de novo, mas em outro formato. A indústria dos musicais no país vem aderindo desde o último ano a um novo filão: adaptar novelas aos palcos.

Desde 2001, o Brasil viveu uma renovação do seu teatro musical. Vieram uma leva de franquias da Broadway e do West End londrino, adaptações de espetáculos estrangeiros e musicais biográficos (Elis Regina, Tim Maia e Cazuza foram alguns dos perfilados).

Agora chega aos palcos uma série de adaptações de novelas. No ano passado, foi "Os Dez Mandamentos". "Carrossel, o Musical" estreia nesta sexta (20). Na próxima semana, é a vez de "Roque Santeiro" (leia mais sobre as montagens ao fim do texto). Em março, "Vamp". E, no segundo semestre, "O Bem-Amado".

Para o maestro Fabio Gomes de Oliveira, presidente da Associação dos Produtores de Teatro Musical e idealizador do musical "O Bem-Amado", a leva de produções estrangeiras trouxe profissionais e tecnologias que firmaram uma indústria de musicais no país. "E é natural que agora a indústria se volte para o produto nacional, porque é disso que o brasileiro gosta."

Ator de musicais como "Chaplin" e "Cabaret", Jarbas Homem de Mello, que agora interpreta Chico Malta em "Roque Santeiro", afirma que a vinda de produções de fora "foi um processo necessário". "A gente precisava primeiro aprender esse gênero, que estava esquecido no Brasil."

"O povo ama novela. E o teatro quer se aproximar do público", comenta Jorge Fernando, diretor de "Vamp". "Faltava abrasileirar [os musicais]."

As versões são todas de folhetins de sucesso. "Os Dez Mandamentos" (2015) foi um fenômeno da Record –em menos de um mês após a estreia, fez a audiência do canal no horário subir mais de 80%.

O "Carrossel" original, mexicano, fez fama transmitido pelo SBT nos anos 1990 e seu remake pelo canal brasileiro (2012-13) foi um dos programas mais vistos da rede, com média de 12 pontos no Ibope (hoje, cada ponto equivale a 199,3 mil espectadores). "Roque" (1985-86) teve, em seu último capítulo, picos de cem pontos no Ibope, algo como a totalidade dos televisores aferidos.

Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP, afirma que essas são "novelas clássicas em seus gêneros da literatura dramática".

"'Carrossel', um ícone infantojuvenil. 'O Bem-Amado', uma farsa sociopolítica que revolucionou a linguagem da TV no Brasil. 'Vamp' filia-se não apenas ao 'terror', mas ao teatro do absurdo. 'Roque Santeiro', a síntese político-religiosa de nosso Brasil."

Já Fernando Marques, professor do departamento de artes cênicas da UnB e especialista em teatro musical, vê nas novas produções um viés comercial, um modo de "captura do espectador". "Mas isso embute algo muito positivo: voltar-se a obras brasileiras."

Em todas as produções, busca-se a nostalgia do público. Os diretores de "Carrossel", Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia, de início pensaram em criar canções originais para o espetáculo.

"Mas vimos que a conexão das crianças com as músicas da novela eram muito grande", diz Zé Henrique –o próprio SBT recomendou manter as canções. Todo o elenco infantil, por exemplo, na faixa de 8 a 12 anos, sabia as letras de cor já na primeira leitura.

Itens do cenário e do figurino vieram do folhetim, cedidos pela rede. Rosanne Mulholland e Márcia de Oliveira, que atuaram na novela, repetem os papéis no teatro. A estreia da peça foi adiantada em cinco meses para ficar mais próxima da última reprise da novela, findada em novembro.

Em "Vamp", parte da equipe criativa (o diretor Jorge Fernando e o autor Antonio Calmon) e do elenco (Ney Latorraca e Claudia Ohana) será a mesma da novela de 1991. No palco, como no folhetim, Ohana canta "Sympathy for the Devil", dos Rolling Stones.

No caso de "Roque", Zeca Baleiro musicou letras deixadas por Dias Gomes, autor da novela, para a versão teatral da história. Mas duas canções de Sá e Guarabyra da trilha da TV, "Dona" e "ABC do Santeiro", entraram na peça.

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TOMA LÁ, DÁ CÁ Diferenças entre as novelas e suas adaptações musicais

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Carrossel

"Carrossel" já teve muitos filhotes. A primeira versão, de 1989, foi produzida pela mexicana Televisa. Rendeu as continuações "Carrossel das Américas" (1992) e "Viva às Crianças! - Carrossel 2" (2002).

O SBT, que transmitia a produção mexicana, estreou em 2012 a sua própria adaptação do folhetim, que depois rendeu ainda dois filmes.

Adriana Del Claro, que interpretava a mãe da personagem Maria Joaquina no remake do SBT, produziu o show da novela, uma espécie de encerramento da trama, e notou ali o potencial da obra. "Vi de perto a resposta dos fãs."

Comprou os direitos da marca e hoje encabeça a produção de "Carrossel, o Musical", que estreia nesta sexta-feira (20) em São Paulo. Não se trata de uma produção do SBT, mas o canal cedeu material (como parte do cenário e dos figurinos) para a peça.

Fernanda Maia, que assina texto, direção musical e codirige o espetáculo com Zé Henrique de Paula, criou uma trama nova a partir dos personagens da novela –e com as músicas do folhetim.

Enquanto o primeiro ato apresenta a escola, o segundo retrata uma história de aventura com direito ao fantasma de um pirata. É uma "resposta aos clássicos" da literatura infantil, afirma Maia.

Rosanne Mulholland e Márcia de Oliveira, que viveram, respectivamente, a professora Helena e a faxineira Graça na novela do SBT, repetem os papéis no palco.

Os 13 personagens infantis são interpretados por dois elencos diferentes –as crianças, de 8 a 12 anos, precisam se alternar entre as sessões. "Mas não há um principal", explica Zé Henrique. Por isso, em vez de 1 e 2, A e B, ganharam os nomes de Jujuba e Pipoca.

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CARROSSEL, O MUSICAL
QUANDO sex., às 20h, sáb., às 16h e 19h; dom., às 11h e 15h; até 9/4
ONDE Teatro Santander, av. Presidente Juscelino Kubitschek, 2.041, tel. (11) 4003-1022
QUANTO R$ 80 a R$ 150
CLASSIFICAÇÃO livre

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Roque Santeiro

Antes de ir à TV, "Roque Santeiro" já era do teatro. Foi escrita como peça por Dias Gomes em 1963 com o nome "O Berço do Herói". Censurada, virou "Roque Santeiro", com alterações nos nomes de personagens, na novela de 1975.

Esta, contudo, também foi proibida, e só dez anos depois, com o país em processo de democratização, uma nova gravação foi exibida na Globo.

O sucesso foi tamanho que Dias Gomes (1922-99) decidiu manter o novo título e os nomes dos personagens também na versão para o teatro, para a qual criou letras. É esse o texto visto no musical "Roque Santeiro" que estreia na próxima sexta (27) em São Paulo.

Zeca Baleiro ficou a cargo de musicar as letras e criou outras novas. Usa ritmos brasileiros, brejeirices, bolero, baião, valsa e também tango. Duas músicas da trilha da novela, "Dona" e "ABC do Santeiro", ambas de Sá e Guarabyra, são tocados pelos músicos (e por alguns atores no palco).

"A gente poderia usar só músicas da novela, porque são muito boas. Mas, quando o Zeca [Baleiro] mostrou as músicas do Dias Gomes e a qualidade das letras dele, pensamos que seria um absurdo jogar isso fora. São poesias as músicas dele", diz a diretora Debora Dubois

Foram feitos poucos cortes no texto, conta a encenadora, como o início, um pouco datado. A história, segue a encenadora, é semelhante, "mas não é a novela".

Sátira à política e à exploração da fé, a trama se passa na fictícia Asa Branca, cidade que vive dos milagres de Roque (Flávio Tolezani), supostamente morto como mártir.

"A gente está precisando ouvir essa história", diz, em referência ao clima político do país, Livia Camargo, intérprete da Viúva Porcina –o elenco conta, entre outros, com Mel Lisboa como Mocinha e Jarbas Homem de Mello como Chico Malta.

Segundo Dubois, buscou-se não imitar as representações da novela, mas não havia como fugir de uma caracterização que transita da comédia de costumes à tragédia. "Esses personagens existem no nosso inconsciente."

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ROQUE SANTEIRO
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; de 27/1 a 7/5
ONDE Teatro Faap, r. Alagoas, 903, tel. (11) 3662-7233/ 7234
QUANTO R$ 80 a R$ 90 (dias 27/1 e 3/2: R$ 30)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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