Folha de S. Paulo


Análise

Charles Cosac terá em biblioteca o seu primeiro emprego da vida

Bruno Poletti - 24.set.2015/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 24.09.2015: EVENTO-SP - O empresário Charles Cosac - O estilista Alexandre Herchcovitch lançou o livro que comemora seus 20 anos de carreira, na Livraria Cultura do shopping Iguatemi, em São Paulo. (Foto: Bruno Poletti/Folhapress)
O empresário Charles Cosac, que assume a Biblioteca Mário de Andrade

É comum lembrar uma ideia reforçada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges: a biblioteca é onde o homem pode ter uma experiência com o infinito. Para quem ama os livros, entrar nela sempre traz uma sensação de assombro –e um imediato reconhecimento da própria insignificância.

Charles Cosac, o novo diretor da Biblioteca Mário de Andrade, deve saber o que é essa sensação. Não se pode negar sua vocação humanista –uma qualidade que anda em falta por aí, mas necessária para ser o guardião do segundo mais importante acervo do país (o primeiro é o da Biblioteca Nacional).

Mas será o suficiente?

Apesar do lugar que Charles ocupa em nosso imaginário cultural, é surpreendente sua indicação para dirigir a Mário de Andrade, especialmente em um prefeitura que diz prezar pela gestão.

A Cosac Naify, afinal, foi uma editora que viveu boa parte de sua existência no vermelho –e que dependeu de aportes financeiros de Michael Naify e, depois, de Charles. Até dezembro de 2015, quando Charles anunciou o fechamento da casa.

A concluir de suas declarações públicas, a direção da Mário de Andrade será o primeiro emprego de Charles. Ele disse, certa vez, em uma entrevista: "Se você me colocar perto de um homem que se sustenta, eu pareço um retardado perto dele. Isso já me incomodou muito, mas não me importo mais."

Ex-funcionários da editora paulistana costumam reconhecer que, apesar dos esforços para que a empresa desse certo, no fundo havia a sensação de que existia uma fonte de recursos a que se podia recorrer se fracassassem –a fortuna dos Naify e dos Cosac.

Assim, como o ex-editor lidará com os limitados recursos da prefeitura?

Publicamente, Charles alimenta a imagem de um homem com personalidade ora exuberante, ora errática. Ele próprio, em entrevistas, costuma ironizar sua falta de tino para os negócios.

Quando morou na Rússia, diz ter recebido o apelido de Oblómov, protagonista do romance homônimo de Ivan Gontcharóv. Aristocrata, o personagem é um procrastinador compulsivo que vive entre o sofá e a cama, entrando em crise sempre que um empregado aparece para lhe lembrar da vida prática.

Há ainda a ironia de Charles passar a compor uma gestão a qual já se referiu com desprezo. À revista "Veja São Paulo", em dezembro, ele comentou sobre a eleição de João Doria:

"Ele age como um Trump, um self-made man que vai fazer todo mundo ficar rico em São Paulo. E isso não vai acontecer. Fiquei passado com a vitória contundente dele. E frustrado."

Sobre Bia Doria, a primeira-dama, ele disse: "Aquelas cópias do Frans Krajcberg que ela faz, acho tudo uma coisa de mau gosto, patético. É a cafonice de São Paulo, a parte da cidade que realmente me assusta."

PANCADÃO

Charles Cosac assume uma biblioteca que vem da gestão elogiada do filósofo Luiz Armando Bagolin. Ao lado da supervisora de ação cultural, Tarcila Lucena, ele passou a investir em medidas inovadoras, como manter a instituição aberta 24 horas e promover festas em seu espaço.

Recentemente, chegou-se a pensar na possibilidade de levar o pancadão ao local.

Agora resta saber se a gestão de Charles Cosac vai representar um ruptura ou uma continuidade dessa visão de biblioteca.


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