Folha de S. Paulo


Aos 40, Pompidou se esforça para 'mostrar valor' em tempos difíceis

Mesmo antes de abrir as portas no centro de Paris, o Pompidou já chamava a atenção por suas estranhas formas, um emaranhado de tubos translúcidos criado por Renzo Piano e Richard Rogers.

Desde sempre, a ideia de transparência parecia estampada na pele, ou na ausência dela, deste que se tornou um dos museus mais relevantes da Europa, com um acervo de 120 mil obras e 3 milhões de visitantes ao ano.

Inaugurada em janeiro de 1977, a instituição entra agora em seu 40º ano se esforçando para manter o frescor e certo grau de provocação numa França mutante, de minorias étnicas e religiosas mais expressivas e às voltas com a mesma guinada conservadora que abala todo o planeta.

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O Centro Georges-Pompidou, projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers
O Centro Georges-Pompidou, projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers

Numa das salas da mostra de Cy Twombly, o presidente do Pompidou, Serge Lasvignes, conta que, nesses tempos raivosos, o museu deve cada vez mais "mostrar seu valor".

Leia a seguir a entrevista concedida à Folha.

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Folha - No aniversário de 40 anos do Pompidou, que papel você diria que o museu tem hoje na cena artística?
Serge Lasvignes - Eu diria que o Pompidou ocupa hoje um papel crucial. Somos uma instituição na França que traz um grande público para a arte contemporânea. Quero dizer que mostramos coisas que talvez o grande público não conheça, mas as preparamos para que ele queira conhecer. Não fazemos uma caça aos blockbusters, nem pensamos em chamar grandes multidões, mas damos uma imagem atraente às mostras para que o público tenha vontade de ver.

Por que escolheram abrir a celebração dessas quatro décadas com um artista como Cy Twombly?
Cy Twombly não é dos artistas mais fáceis. Não temos nenhuma garantia de grande público, mas propor Cy Twombly ao grande público do Pompidou é crucial neste momento, porque o consideramos um artista interessante. Isso ilustra bem o que nos move, a mestiçagem, a mistura, a transgressão de fronteiras. É o encontro da cultura americana e a cultura da Europa, é também um encontro da Europa do norte com a Europa do sul. Nos parecia perfeito, sem contar o fundo de literatura e poesia que está por trás de sua obra, inspirada em Barthes, Mallarmé e na admiração que ele tinha pelos existencialistas. É uma arte de mestiçagem cultural.

Como vê a evolução do Pompidou desde que ele foi inaugurado?
Diria que houve um fenômeno de profissionalização. O que aconteceu é que houve uma expansão da coleção, que se tornou imensa, com 120 mil obras, incluindo fotografias, esculturas, desenhos. O museu se tornou o coração do Centre Pompidou, já que no início ele era só um elemento de um complexo com biblioteca e centros de espetáculos.

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Serge Lasvignes, presidente do Centro Georges-Pompidou, em Paris
Serge Lasvignes, presidente do Centro Georges-Pompidou, em Paris

O que acredita que deve mudar?
Não há muito que mudar, mas considero crucial o contato material com as obras. Há todo um movimento para reproduzir as obras na internet em alta definição, criar visitas virtuais, mas essas ideias não me mobilizam.

Uma exposição de Cy Twombly, por exemplo, depende de que suas obras sejam vistas aqui. Democratizar a arte para mim não significa ver arte na internet. A democratização deve se dar no museu, e a relação do público com o museu deve evoluir para uma relação de troca, de interatividade, por isso agimos muito nas redes sociais, que se tornaram mais importantes que um site na internet. Elas permitem promover o museu como um lugar onde as coisas acontecem, onde se contam histórias.

Penso também que é necessário desenvolver uma sensação de pertencimento. Sempre tentamos facilitar a entrada das pessoas no museu. Não pode ser uma instituição isolada, deve haver um diálogo entre curadores, restauradores e o público.

O museu está se adaptando às mudanças demográficas na França e na Europa?
A globalização levou a uma multiplicação dos centros de arte. E, por isso, nos últimos anos, temos prospectado mais a cena emergente. Nosso diretor acaba de ir à Bienal de São Paulo. Estamos presentes na China, na Coreia e temos muita vontade de estar mais presentes na África.

Não queremos ter uma coleção centrada na Europa e que abre algumas exceções para periferias exóticas. Estamos pesquisando como a modernidade evoluiu em outros lugares, como no sudeste da Ásia, por exemplo. Isso permite aos nossos conservadores descobrir muitas coisas. Não é uma transposição colonial do nosso acervo.

Ou seja, a coleção também está ampliando seu escopo.
Somos obrigados a acompanhar o desenvolvimento da criação contemporânea. A coleção se centra em torno de algumas cenas artísticas. Começamos a comprar artistas chineses e brasileiros, mas ainda há muitas lacunas na coleção difíceis de preencher por razões financeiras, como a arte americana do pós-Guerra.

A escalada da extrema direita na França e no mundo todo pode afetar o futuro do museu?
Nosso orçamento, sendo este um museu público, é uma decisão do governo. O governo pode aumentar ou diminuir o orçamento, mas não sinto uma diferença substancial para o museu entre governos de direita ou de esquerda.

No futuro, se um partido extremista chegar ao poder, as coisas podem mudar. Mas acredito que um efeito do extremismo será um retorno à ordem na cultura, o que nos vai forçar cada vez mais a mostrar nosso valor, nossa utilidade para a cultura.

O museu deve cada vez mais buscar o público, por exemplo, deslocando obras. Temos feito isso. Levamos obras a outros lugares, pequenas comunidades rurais, e promovemos debates sobre elas. Acredito que precisamos disso, não só para dar acesso à cultura aos que não têm o privilégio de viver no centro de Paris, mas também para criar uma abertura, um complemento do museu.

É mostrar a cultura como um fator também importante para a política, como um campo de reflexão da política. O Centre Pompidou é um centro de arte e cultura, não só um museu. É uma instituição que tenta abarcar todo o escopo da modernidade cultural. E agora vimos buscando discutir questões da atualidade. Outro dia fizemos um debate sobre o que significa a eleição de Trump para o mundo.


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