Folha de S. Paulo


Crítica

Longa romeno 'Sieranevada' rege com maestria balé de contradições

Um drama de três horas, em tempo real, quase todo passado dentro de um apartamento, onde membros de uma família protagonizam discussões que aparentam não ter sentido é um resumo apressado, e pouco convidativo, de "Sieranevada".

Fora cinéfilos ortodoxos, alguns podem se interessar por ser um título que disputa uma vaga de filme estrangeiro no Oscar. Essas distinções ocasionais, no entanto, logo serão esquecidas por quem aceitar o espetáculo de imersão que "Sieranevada" oferece.

Tal como aconteceu na Argentina e, anteriormente, no Irã e na China, os filmes da geração romena pós-comunismo ganharam força à medida que, confrontados a um sentimento de crise, jovens cineastas recuperaram indagações básicas como: quem somos? O que queremos?

A reunião familiar de "Sieranevada" funciona, nesse sentido, como alegoria local e universal. Os diálogos irônicos ou briguentos que se desenrolam no espaço concentrado espelham tanto as peculiaridades históricas da sociedade romena quanto o espetáculo da regressão que parece piorar a cada dia para onde quer que se olhe.

O dispositivo evoca o adotado por Buñuel em "O Anjo Exterminador" (1962) ou por Carlos Saura em "Mamãe Faz Cem Anos" (1979) com resultados similares de dilatação do absurdo. Aqui, rir substitui a obsessão do cinema contemporâneo pelo mal-estar.

O recurso concentrador permite juntar nostálgicos da ditadura e pessoas com aversão a autoritarismos em torno de um passado que não passa. Ou céticos e aqueles que encaram boatos de internet como verdades absolutas.

Quando as conversas escapam desses temas macros, os desentendimentos pessoais invadem a cena e revelam as contradições entre discurso e ação e como a comunicação pode virar bate-boca.

A diversidade e a autenticidade projetadas nos diálogos e na direção de atores são dois aspectos que impressionam de imediato, mas o filme não se apoia somente nessas qualidades teatrais.

O equilíbrio do dramático e do cômico, tão presente nos instantes em que o ridículo dispara risadas em meio à tensão, asseguram o prazer, de modo que a longa duração não incomoda.

Impactante mesmo é a forma como Cristi Puiu rege esse balé de contrariedades com uma câmera que atua como parte do elenco, que acompanha e registra, mas que também perde de vista e oculta.

Como a figura do pai, cujo fantasma perambula por toda a casa, a câmera, sem precisar ser mirabolante, desempenha o papel mais espantoso de "Sieranevada".

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SIERANEVADA
DIREÇÃO Cristi Puiu
ELENCO Mimi Branescu, Judith State, Bogdan Dumitrache
PRODUÇÃO Romênia, 2016, classificação indicativa não informada
QUANDO: estreia nesta quinta (15)


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