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Série norueguesa 'Skam' mescla ficção e realidade nas redes e chega aos EUA

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Tarjei Sandvik Moe e Ruby Dagnall em cena de
Tarjei Sandvik Moe e Ruby Dagnall em cena de "Skam"

"Skam", uma série de web e TV ousada, emocionalmente intensa e realista, acompanha um grupo de adolescentes de Oslo enquanto eles vivenciam sexo, escola, álcool, depressão, estupro, religião, sair do armário e ansiedade social, na vida real e on-line.

A série está a caminho dos Estados Unidos e Canadá, por obra de Simon Fuller, o empresário inglês de entretenimento que criou "American Idol" (e seu predecessor no Reino Unido, "Pop Idol") e foi empresário das Spice Girls.

Na sexta-feira (9), a XIX Entertainment, empresa de Fuller, anunciou um acordo com a rádio e TV estatal norueguesa NRK para produzir uma versão em inglês do programa, com o título "Shame" (vergonha).

Criada pela NRK e dirigida às meninas adolescentes, "Skam" se tornou sensação na Escandinávia junto a espectadores de todas as idades, graças a um inteligente formato multiplataforma e a uma estratégia de mídia social.

A cada semana, de quatro a seis cenas curtas são postadas no site da rede, sem aviso, no horário em que as cenas se passam –uma festa de sábado à noite, uma aula na manhã da terça-feira– e depois reunidas em um episódio completo a cada sexta-feira.

Essa abordagem –os retratos íntimos, um formato no qual as cenas digitais propelem a versão televisiva linear, contas no Instagram para cada personagem– atraiu a atenção de Fuller.

A versão em inglês terá novos personagens e atores, mas usará o formato de "Skam", e a NRK funcionará como consultora. A produção deve começar no ano que vem.

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Henrik Holm e Tarjei Sandvik Moe em cena de 'Skam
Henrik Holm e Tarjei Sandvik Moe em cena de 'Skam'

"Estamos explorando todos os veículos de conteúdo", revelou Fuller via e-mail. "'Shame' funcionará em todas as plataformas e é isso que cria uma diferença. Queremos inovar e estender as fronteiras da maneira pela qual o conteúdo moderno é visto e experimentado". Nem a NRK, nem a XIX comentaram sobre o lado financeiro do acordo.

A série foi criada originalmente para a divisão infantil da NRK, com o objetivo de atrair mais espectadores jovens ao site da rede. Agora, chegando ao final de sua terceira temporada, ela é a série de TV para a Web mais assistida na história da Noruega, desde sua estreia em setembro de 2015, com uma média de 1,2 milhão de visitantes únicos por semana ao site e mais um milhão de espectadores para a versão em streaming do episódio semanal, em um país de cinco milhões de habitantes. A NRK confirmou que produzirá uma quarta temporada.

A parceria com a XIX Entertainment é um imenso salto. "É uma loucura", disse Julie Andem, 34, a criadora, roteirista e diretora da série.

Cada temporada de "Skam" tem um personagem por centro. A temporada três, que será concluída na próxima semana, teve por foco Isak (Tarjei Sandvik Moe), que está se ajustando à descoberta de que é gay e se apaixonou por um menino mais velho, Even (Henrik Holm).

O grande momento de revelação de Isak é discreto e silencioso –ele assume sua homossexualidade em uma conversa cara a cara com o melhor amigo, e revela o fato à mãe em uma mensagem de texto. Em outra cena, Isak discute homossexualidade com Sana (Iman Meskini), uma colega de classe muçulmana e respeitadora dos preceitos de sua religião, que usa um lenço de cabeça na escola e não aceita desaforos de ninguém.

Há poucos adultos na série. "Eu queria que a garotada resolvesse seus problemas por conta própria", disse Andem.

A força da série está em sua autenticidade, disse Cecilia Asker, crítica de TV do jornal norueguês "Aftenposten". "Se isso fosse um filme e um grande cineasta estivesse no comando, tudo seria grande", disse Asker. "Mas em lugar disso a série gira em torno de momentos pequenos, e da realidade desses momentos".

Para escrever "Skam", Andem passou seis meses viajando pela Noruega e entrevistando adolescentes sobre suas vidas. "Nós constatamos uma grande necessidade", ela disse. "Os adolescentes de hoje sofrem muita pressão, de todo mundo. Pressão para que sejam perfeitos, pressão para que se saiam bem. Queríamos fazer uma série que removesse essa pressão".

Para obter bons desempenhos dos atores estreantes, Andem realizou um processo de seleção com 1,2 mil candidatos, e criou os personagens depois de selecionar os atores. Ao escrever cada episódio, ela considera o feedback dos atores e dos espectadores –que comentam no site da NRK, no Facebook e em páginas da série no Tumblr– para manter a história plausível. Dois episódios são filmados a cada três dias, porque a maioria dos atores ainda está no segundo grau, ou tem outros empregos.

A NRK só promoveu "Skam" na mídia social, com exceção de uma entrevista televisiva com dois dos atores depois que a série já se havia tornado sucesso. "A ideia era que os adolescentes a encontrassem por conta deles, e não por sugestão dos pais", disse Hakon Moslet, produtor executivo da série. Mas os pais não demoraram a se tornar espectadores.

Pelo final de maio, boa parte da Noruega vivia em suspense porque Noora (Josefine Frieda Pettersen), a personagem principal da segunda temporada, estava há dias sem resposta de uma mensagem de texto enviada ao namorado William (Thomas Hayes). Quando os dois por fim concordaram em se encontrar, às 17h de uma quinta-feira, o hashtag #williammustanswer (William precisa responder) estava bombando nas mídias sociais.

Todos os personagens têm contas no Instagram e alguns eventos da série têm páginas no Facebook (mas não os personagens fictícios, porque isso contraria as regras da rede social). Quando Isak passou um final de semana com Henrik e se esqueceu da festa de aniversário de um amigo, a página da NRK postou mensagens dos amigos de Isak a ele, perguntando onde ele estava.

"'Skam' combina realidade e ficção e a linha entre elas não fica tão clara", disse Mari Magnus, 27, a produtora da série na Web, encarregada de escrever as mensagens dos personagens e cuidar de suas contas no Instagram.

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Ina Svenningdal, Josefine Frida Pettersen, Ulrikke Falch e Lisa Teige em cena de 'Skam
Ina Svenningdal, Josefine Frida Pettersen, Ulrikke Falch e Lisa Teige em cena de 'Skam'

Neste final de ano, a série se tornou sucesso cult internacional, com crescimento de dois dígitos em sua audiência nos Estados Unidos, Rússia e França, especialmente nos círculos de mídia social LGBT. A Internet está repleta de sites de fãs e de GIFs com o jovem casal. Os fãs escrevem legendas personalizadas para a série.

Na Noruega, a série ajudou a introduzir certos temas no diálogo nacional. Na segunda temporada, Noora diz a um menino que ele havia cometido um crime ao postar fotos que a mostravam seminua e bêbada. Isso chamou a atenção da polícia norueguesa, que usou o Facebook para postar uma mensagem de elogio a Noora, e apelou aos outros adolescentes que reportem violações semelhantes.

Andem disse que se surpreendeu ao descobrir em suas pesquisas a maneira pela qual as meninas modernas usam sua sexualidade. "Quando eu tinha 16 anos, a gente usava sexo para conseguir amor", ela disse. "Elas usam sexo para se tornarem mais populares no Instagram". Andem se deteve. "E não sei se isso é bom ou ruim".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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