Folha de S. Paulo


Coletivos da periferia fazem manifesto em repúdio a Doria e secretário

Coletivos da periferia de São Paulo reagiram nesta quarta-feira (7) às declarações do nome escolhido pelo prefeito eleito João Doria (PSDB) para assumir a Secretaria de Comunicação da cidade, Fábio Santos. Na terça (6), ele sugeriu que um dos motivos para o tucano transferir parte da Virada Cultural para o autódromo de Interlagos são arrastões promovidos pela "galera que vem da perifa".

"Na Virada, o que acaba acontecendo – me perdoe a crueza – é que você tem uma galera que vem da perifa, alguns organizados para fazer isso", disse Santos, que atualmente é vice-presidente da agência de comunicação CDN."Você deve ter visto em alguns momentos aqueles arrastões que eles fazem nas ruas transversais que ligam a praça da República ao viaduto do Chá."

Em manifesto publicado no Facebook, os coletivos reafirmaram sua reivindicação pela descentralização de recursos públicos, concentrados em poucos bairros da cidade, mas rechaçaram a mudança para Interlagos, um "espaço murado". Segundo eles, a decisão soa como tentativa de criar barreiras para que o evento não seja frequentado "por quem não é bem-vindo nos rolês de gente diferenciada".

"Antes mesmo de assumir a pasta, Fábio Santos já criminaliza os moradores das "perifas", atribuindo a nós arrastões e outros crimes", escreveram. "É inadmissível que um secretário municipal, cujo salário sai dos impostos que pagamos [...], nos criminalize e veja nossos bairros como depósitos daquilo que não se quer mais, e não como cidadãos. Cabe a um secretário de Comunicação pautar estratégias que impeçam a discriminação, o racismo – mesmo o institucional sofrido diariamente em espaços públicos como escolas e hospitais –, a segregação espacial e a desvalorização simbólica dos nossos fazeres."

Também dizem que "a cidade escolheu mal João Doria" para a Prefeitura de São Paulo, tanto pela escolha de Fábio Santos para a Secretaria de Comunicação quanto pela fala no começo da semana, quando o tucano se referiu aos bailes funk como "cancro que destrói a sociedade".

"O que ocorre nos pancadões é o mesmo que ocorre no entorno das universidades frequentadas pela burguesia de São Paulo. Mas, lá, a polícia faz vista grossa para o tráfico e protege os jovens, como deveria ser sempre, independente do lugar. Nos nossos bairros, ela protagoniza os genocídios da juventude negra, indígena, periférica, pobre."

Até a publicação desta nota, o texto havia sido assinado por 40 organizações.

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LEIA ABAIXO O MANIFESTO

As periferias de São Paulo, articuladas por meio de movimentos e coletivos, reivindicam há anos a descentralização de recursos públicos, já que a maior parte deles está concentrada, historicamente, em poucos bairros da cidade. Esses investimentos são fruto do trabalho de todos, especialmente dos mais pobres que, proporcionalmente, pagam mais impostos do que ricaços daqui e de todo o país.

Com a Virada Cultural não é diferente. Concentrar em uma única região e em um único dia tantas atividades, escolhidas muitas vezes sem a atenção à diversidade de gêneros e expressões, sempre foi alvo de nossas críticas. A descentralização do evento e pulverização do investimento ao longo do ano, respeitando os fazeres culturais de artistas que vivem e bebem das margens, é o óbvio. É uma reivindicação de vários movimentos e coletivos desde sempre, e a futura gestão encabeçada por João Doria Jr. não escapará da cobrança e da luta pela descentralização do orçamento para as áreas de alta vulnerabilidade social.

Levar o evento para o Autódromo de Interlagos, no extremo sul, um dos raros equipamentos públicos localizados fora da região central da cidade, já nos soa como uma tentativa de cercar o evento, criando barreiras para que ele não seja frequentado por quem não é bem-vindo nos "rolês de gente diferenciada", já que o espaço é murado, com portões que historicamente impedem que vizinhos do lugar o acessem, podendo apenas ouvir os roncos dos motores. Mas o simples deslocamento do evento para um lugar perto da casa de muitos de nós periféricos pareceu, para eles, a sua sentença de morte.

Mas o maior descalabro partiu do futuro (não, se depender de nós) secretário de Comunicação. Antes mesmo de assumir a pasta, Fábio Santos já criminaliza os moradores das "perifas", atribuindo a nós arrastões e outros crimes. Além disso, nos responsabiliza por levar a Virada Cultural para o Autódromo, longe da cidade dos descendentes de escravocratas barões de café.

É inadmissível que um secretário municipal, cujo salário sai dos impostos que pagamos a cada quilo de feijão, a cada chiclete comprado no shopping trem, a cada R$ 3,80 de busão, nos criminalize e veja nossos bairros como depósitos daquilo que não se quer mais, e não como cidadãos.

Cabe a um secretário de Comunicação pautar estratégias que impeçam a discriminação, o racismo - mesmo o institucional sofrido diariamente em espaços públicos como escolas e hospitais -, a segregação espacial e a desvalorização simbólica dos nossos fazeres.

A cidade escolheu mal João Doria, que se mostrou péssimo administrador de pessoal ao escolher seu secretariado. Mas isso não foi por acaso. O próprio prefeito eleito classificou os pancadões como "cancro que destrói a sociedade". Os bailes funk são manifestações da juventude periférica, que espontaneamente ocupa espaços públicos em quebradas com pouco ou nenhum investimento do Estado em cultura - e o pouco que há, como as casas de cultura, podem ser terceirizadas e assumidas por organizações privadas.

O que ocorre nos pancadões é o mesmo que ocorre no entorno das universidades frequentadas pela burguesia de São Paulo. Mas lá, a polícia faz vista grossa para o tráfico e protege os jovens, como deveria ser sempre,__ independente do lugar. Nos nossos bairros, ela protagoniza os genocídios o da juventude negra, indígena, periférica, pobre._

Falas como a de Doria e de seu escolhido para a Comunicação incentivam a ação violenta das polícias e o extermínio simbólico promovido pela mídia. Por décadas e décadas, nossos bairros foram roubados e nós fomos levados a ser mão de obra barata a ser explorada na "cidade", construindo parques que não podíamos entrar, morrendo em obras de metrô longe de nossas casas. Apesar de tudo, estamos aqui, vivões,__ escrevendo nossa história, e não toleraremos a intolerância, a ignorância e a covardia._

Não nos interessa a concentração de recursos em um só lugar da cidade, como sempre foi a Virada Cultural. Mas não aceitaremos ser criminalizados, especialmente para justificar mudanças que, no fundo, representarão mais catracas, portas giratórias a selecionar quem participa ou não do evento.

Esse futuro secretário Fábio Santos, já é ex. Não nos representa, não nos merece.

Assinam:

Comunidade Cultural Quilombaque
Sarau do Binho
Felizs-Feira Literária da Zona Sul
Comunidade Portelinha & Viela 18 - Família Unida, Esmaga Boicote!
Espaço de Formação Assessoria e Documentação
Brechoteca - Biblioteca Popular
Coletivo Brincantes Urbanos
Quilombação
Catorze de Maio
Instituto Haphirma de Comunicação, Cultura, Cidadania e Educação Social
Movimento Oeste Hip Hop Educação
Rede Cultural Oeste
MH2O Hip-Hop Organizado
Mães de Maio
Blog NegroBelchior
Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular
Uneafro-Brasil
Coletivo Perifatividade
Alma Preta
Desenrola E Não Me Enrola
Imargem
Periferia em Movimento
AMO - Associação Mulheres de Odun
AEUSP - Associação de Educadores da USP
Caxueras - Espaço Cultural Cohab Raposo Tavares
Role_De_Bike
Só com vinil
Gelatéca
Era uma vez.
rojeto Comunidade Samba do Monte
Quebrada de Coco
Cine da Quebrada
Projeto Hip-Hop no Monte
Forro da Quebrada
Espaço Comunidade
Verso em Versos
Coletiva Trajetórias Feministas de Teatro das Oprimidas
Praçarau
Academia Periférica de Letras
Pó de Chá Filmes


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