Folha de S. Paulo


Em 2013, Gullar foi recebido como 'pop star' em Paraty

"Lautaro era una flecha delgada/ Elástico y azul..." Os versos famosos de Pablo Neruda me vieram à mente quando vi Ferreira Gullar atravessando as ruas de Paraty em julho de 2013.

Era um sábado à tarde, com o sol ainda forte, o céu claríssimo. Era sua quinta participação na Flip. Ele já passara dos 80 anos, mas conduzia com leveza, determinação e velocidade o corpo magro pelas pedras ingratas do chão da cidade até a Casa Folha na Flip, onde faria a palestra "Breve Lição de Poesia".

Quando o poeta se aproximou do local, centenas de pessoas começaram a gritar seu nome, a aplaudi-lo, a esbravejar contra o governo (Dilma), a apalpá-lo, puxá-lo.

Havia um quê de histeria, uma exaltação desmedida. Ele quase entrou em pânico. Com um braço, tentava afastar os mais afoitos; com outro, pedia ajuda, até ser empurrado para um espaço protegido.

Ele não esperava tal recepção. Ninguém esperava. Teriam sido os influxos dos protestos de junho daquele ano?

Quantos ali tinham lido mais que o "Poema Sujo", se tanto? Não importa. Na festa literária, ele era "o" astro. Dois anos depois, perguntei se ele voltaria à Flip. "Nunca mais", respondeu.

Num primeiro momento, achei que aquela manifestação em Paraty testemunhava a importância da poesia.

Grande poeta da língua, além de notável crítico de artes plásticas, Gullar fez, porém, uma poesia no mais das vezes difícil e exigente. É ingênuo dizer que apenas ela, a poesia, tenha conferido a ele esse prestígio de "pop star", ao final da vida.

Podem ter sido também suas posições pós-comunistas na imprensa. Tanto que, quando sentou-se diante da plateia, sensível às emanações do ambiente, Gullar foi se desviando do tema da palestra (a poesia) e passou a dar lições de política -bem mais simples de entender.


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