Folha de S. Paulo


Crítica

Em seus diários, Susan Sontag constrói pensamento iconoclasta

Preferir a mão esquerda. Como Samuel Beckett, que optava pela canhota para poder desafiar-se e para recusar o automatismo do que já é conhecido, também Susan Sontag inicia assim as anotações de seu diário, em 1964.

Essa segunda coletânea de seus escritos, selecionada por seu filho David Rieff, confirma a vocação "gauche" da autora. Por meio de fragmentos-ruínas-índices, o leitor vai conhecendo, processualmente, a formação do pensamento e da militância de uma das grandes pensadoras da cultura do século 20.

E faz todo sentido que seja essa a linguagem de sua intimidade, por vezes constrangedoramente sincera. Porque é essa mesma a linguagem possível para o século que se sucedia aos trancos, aos pedaços, em cacos velozes e simultâneos, desafiando as mãos esquerdas a compreendê-lo e expressá-lo.

Sophie Bassouls/Corbis
ORG XMIT: 480301_1.tif Literatura: a escritora norte-americana Susan Sontag em 1979. 23 Mar 1979 --- Susan Sontag relaxes on a sofa. Sontag is an American
Susan Sontag no sofá em 1979

Desde as tentativas de amar a mãe que dizia odiar –"Felicidade é infidelidade"–, passando pelos filmes que assistia, livros que lia, exposições que frequentava, até sua militância feminista e seus relacionamentos bissexuais, os diários são uma jornada pela construção de um pensamento iconoclasta e consistente.

"O que uma pessoa é é a ideia de si mesma. Se a pessoa pensa que é amável, é; bela, talentosa, etc." Nessa frase, por exemplo, desmistifica-se uma ideia arraigada de que existe uma essência que se oporia a uma aparência, considerada menor pela filosofia tradicional.

Sontag, como Barthes, sabe que, na aparência, na superfície, é que se revelam as sensações, mais autênticas do que as ideias. "O segredo de um sentimento é aprender a respirar para fora."

Da mesma forma, também a raiva vai sendo liberada, numa atitude pela qual a autora ficou conhecida do público: "Se não consigo acusar o mundo, tenho de acusar a mim mesma. Estou aprendendo a acusar o mundo".

E, ainda assim, o que vai se desenhando, pela leitura, é uma pessoa amorosa, em permanente conflito com seus amores, cuja prece essencial é "Paz e volúpia". Um desejo que certamente valeria para os dias de hoje e que, aliás, está fazendo falta.

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DIÁRIOS II (1963-1981)
AUTORA Susan Sontag
TRADUÇÃO Rubens Figueiredo
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO: R$ 69,90 (584 págs.) OU R$ 39,90 (e-book)


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