Folha de S. Paulo


Livro raro de João Cabral e Aloisio Magalhães é reeditado após 60 anos

Divulgacao
Imagens de Aniki Bóbó, de Aluisio Magalhaes e Joao Cabral de Melo Neto Credito Divulgacao
Ilustração de Aloisio Magalhães em 'Aniki Bóbó'

"Aniki tinha de seu duas cores, o azul e o encarnado, como outros têm na vida um burro e um cavalo", escreve João Cabral de Melo Neto, no começo de "Aniki Bóbó" (1958).

Não se sabe bem de onde o autor e seu primo, o designer Aloisio Magalhães, tiraram esse nome, Aniki Bóbó –talvez do primeiro filme de Manoel de Oliveira, de 1942, nem por que o livrinho ficou tanto tempo esquecido.

A obra, que teve 30 exemplares impressos, também ficou de fora da obra completa do poeta. Agora, volta às livrarias pela Verso Brasil.

Do pouco que se sabe sobre "Aniki Bóbó", está o fato de que no começo era imagem: o escritor tinha visto os desenhos do primo e lhe pareceu que precisavam de um texto como companhia. No colofão, lê-se: "De Aloisio Magalhães, ilustrado por texto de João Cabral de Melo Neto."

"Acho que João Cabral buscou diminuir sua presença para destacar o trabalho do primo designer", diz o crítico e professor da USP Augusto Massi, que assina um dos textos de abertura do livro.

"Mas sua poética está toda lá: a mescla de prosa e poesia, as rimas toantes, a investigação da paisagem, a imagem da lâmina, o combate ao beletrismo."

O livro lembra como João Cabral foi influenciado pelas artes visuais e na produção gráfica. Ele já havia produzido os "livros inconsúteis" em sua própria tipografia, quando vivia em Barcelona.

"Aniki Bobó" foi produzido em O Gráfico Amador, editora artesanal que reunia, além de Aloisio e João Cabral, outros designers e escritores (Ariano Suassuna, conta-se, ficava numa espreguiçadeira e dizia que aquela era sua contribuição).

Divulgacao
Imagens de Aniki Bóbó, de Aluisio Magalhaes e Joao Cabral de Melo Neto Credito Divulgacao
Fac-símile de 'Aniki Bóbó'

Aloisio e O Gráfico Amador, vale lembrar, são fundamentais na história do design e das artes gráficas brasileiras. Foi ele o fundador da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro.

O poeta meteu-se com O Gráfico Amador em meados dos anos 1950, quando voltou ao Brasil, depois de ser suspenso da diplomacia acusado de ser comunista.

"A atmosfera cultural do Recife na época serviu tanto para que João Cabral pudesse influenciar as novas gerações reunidas em torno do Gráfico Amador como também recebesse o impacto das experiências teatrais realizadas pelo grupo de Hermilo Borba Filho e Suassuna", diz Massi.

O crítico defende também que "Aniki Bóbó" não é apenas uma curiosidade na obra de João Cabral, mas um livro que mostra um desejo de fundir vanguarda e cultura popular –o azul e o encarnado de Aniki são as cores das casas populares do Recife, lembra.

Estudar o livro, diz Massi, o "fez entender melhor o período em que foi escrito, que está mal estudado por historiadores e sociólogos". "Havia um grupo importante ali no Recife que foi dissolvido", diz.

ANIKI BÓBÓ

AUTORES João Cabral de Melo Neto e Aloisio Magalhães

ORGANIZAÇÃO Valeria Lamego (com textos de Sérgio Alcides, Augusto Massi, Zoy Anastassakis e Elisa Kuschnir)

EDITORA Verso Brasil

QUANTO R$ 61,50 (91 págs.)


Endereço da página: