Folha de S. Paulo


Violoncelista britânica Jacqueline du Pré inspira 'peça-concerto'

É como se os atores fossem instrumentos, e seus diálogos, a partitura de um concerto. "Jacqueline", espetáculo escrito e dirigido por Rafael Gomes que estreia nesta sexta (2) em São Paulo, é todo regido pelos movimentos e temas de uma composição.

"Queria que fosse um exercício de forma, de linguagem, e que a peça pudesse ser como um concerto", explica o encenador, cuja trajetória no teatro é contaminada por uma forte presença da música –ele dirigiu, entre outros, o musical "Gota d'Água [A Seco]: (2015) e "Música para Cortar os Pulsos" (2010).

Agora, Gomes se debruça sobre a vida da violoncelista inglesa Jacqueline du Pré (1945-1987), mas sem fazer da montagem uma biografia dela. "Não há um compromisso com a história ou uma fidelidade psicológica. Não queria que o público projetasse a imagem dela na peça."

Os quatro personagens retratados são inspirados em figuras reais: Jacqueline (Natália Lage), sua irmã Hilary (Arieta Corrêa), o marido desta (Fabricio Licursi) e o maestro Daniel Barenboim (Daniel Costa), companheiro da violoncelista. Mas em cena ninguém tem nome. Tampouco têm diálogos estritamente coloquiais –tangem, em sua maioria, o filosófico.

Suas falas seguem a lógica de uma composição orquestral. No caso, "Concerto Para Violoncelo e Orquestra", do inglês Edward Elgar (1857-1934), que ficou marcada pela interpretação de Du Pré e que aqui é tocada por inteiro, durante toda a apresentação.

As cenas são divididas em seus movimentos. Os atores funcionam como os instrumentos, multiplicando-se ou rareando de acordo com a música, que por vezes também orienta suas intenções.

As falas se repetem ao longo da peça e, quando retornam, estão na boca de outro personagem, como os temas musicais, tocados ora por um instrumento, ora por outro.

"É um espetáculo todo desenhadinho", comenta Lage, que começou a trabalhar com Gomes no projeto quando fizeram juntos a peça "Edukators" (2013). "Tem uma precisão no estudo da palavra. Em alguns momentos, você tem que jogar com a trilha, noutros, tem que ignorá-la"

NATUREZA

Gomes viu na vida de Du Pré um ciclo de forças da natureza. Da garota prodígio que já na adolescência encantava plateias londrinas com seu talento –e viu-se mergulhada numa sequência fatigante de apresentações pelo mundo– à jovem acometida ainda aos 28 pela esclerose múltipla, doença degenerativa que a faria definhar pelos 14 anos seguintes.

Como diz em cena um dos personagens: "Ela era uma fortaleza prestes a ser destruída pela força da natureza".

Os fenômenos naturais e suas metáforas surgem aqui e ali, numa ventania sobre o palco, na menção das sinapses da personagem (seja de sua doença, seja de sua habilidade para a música), nos vários significados de "alma": a essência, a paixão ou o nome da peça que, nos instrumentos de corda, transmite as vibrações sonoras.

Toda essa orquestração acontece sobre o cenário criado por André Cortez, um chão de madeira de superfície negra e reluzente que lembra um piano. A estrutura rasa cobre todo o palco e vai sendo aberta pelos atores, criando novas formas e fazendo surgir novos objetos, "como numa caixinha de Pandora", afirma o diretor.

JACQUELINE
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 18/12 e de 6 a 29/1
ONDE Sesc Consolação, r. Doutor Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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