Folha de S. Paulo


Em cartaz na Pinacoteca, Ana Maria Tavares perverte o modernismo

Tudo brilha no inferno de Ana Maria Tavares. As superfícies são metálicas, não há pontas nem arestas, e a trilha sonora é música lounge. Lembra uma sala VIP de aeroporto, hall de shopping ou consultório de cirurgia plástica.

Na Pinacoteca, onde a artista faz agora sua maior mostra em três décadas de trabalho, listras negras correm pelas paredes das galerias, e o átrio virou uma espécie de abismo com espelhos do chão ao teto bloqueando as saídas –a versão anabolizada do paraíso clean, anestésico que a arquitetura pós-moderna injetou nas cidades contemporâneas.

Uma escada de avião no meio da sala aponta uma saída, mas lá em cima fones de ouvido tocam relatos do trânsito sufocante de São Paulo visto do alto de um helicóptero, como se a metrópole fosse um pesadelo inescapável.

Tavares, no caso, revisita as estratégias do modernismo –os espelhos de Niemeyer, os jardins de Le Corbusier, as listras de Adolf Loos– para construir um paraíso ao contrário. Seu mundo resplandecente revela a perversidade por trás de toda utopia arquitetônica.

"O espelho faz você olhar para um lugar ficcional, onde você não está, mas também lembra o que ficou para trás. O jardim é negro, de sombras", diz a artista. "É o desvio da arquitetura. Uso a sedução do projeto moderno, mas atravesso isso com outros elementos."

Talvez por isso ela fale tanto em contaminação. É a natureza selvagem invadindo esses espaços que lembram construções abstratas, como no vídeo em que uma floresta se sobrepõe a uma malha metálica encerrando homens solitários em seus quadrantes.

Sua obra, que imita a dinâmica da arquitetura, muitas vezes acaba camuflada nos lugares que ocupa, mas opera como um refletor, escancarando suas falhas e ruídos nas entrelinhas e nos detalhes.

Visões da Oca, prédio de Niemeyer no Ibirapuera, ressurgem quase irreconhecíveis numa releitura metalizada, em que portas, janelas e dutos de ar se multiplicam para forjar um labirinto asfixiante.

Mas esse inferno não está sempre à mostra. Painéis lustrosos de plástico, que deslizam como janelas, às vezes escondem seus desenhos.

LEXOTAN

Nesse jogo de duplos e espelhamentos, Tavares lembra as prisões de Giovanni Battista Piranesi, artista italiano que no século 18 reagiu à modernidade desenhando túneis, arcadas e corredores claustrofóbicos que não levavam a lugar nenhum, a ideia de que o progresso espelhava a ruína.

Essa angústia ressurge de relance na obra da artista, quando a luz rebatida no ângulo certo revela palavras como "credit card", "Lexotan" e "sparkling water" na pele inox ou de vidro espelhado de seus murais. Nas palavras dela, são as "senhas do mundo contemporâneo, coisas que dão prazer, poder e autoestima" na ruína das cidades atuais.

ANA MARIA TAVARES

QUANDO de qua. a seg., das 10h às 17h30; até 10/4/2017

ONDE Pinacoteca, pça. da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000

QUANTO R$ 6, grátis aos sábados


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