Folha de S. Paulo


Empresário tenta fundar museu com 16 mil quadros impressos da internet

Tintoretto está desfalecido no chão. Botticelli, meio esquecido atrás da porta do banheiro. Dezenas de outras pinturas, assinadas por nomes como Da Vinci e Picasso, pendem do teto, como vinhos numa cantina italiana.

Ornamentam o vestíbulo três quadros de Francis Bacon, artista que em 2013 teve um tríptico vendido por US$ 142 milhões (mais de R$ 400 mi) e bateu a marca de obra de arte mais cara já leiloada.

As pinturas vão desde o período rupestre até o século 20 e seus maiores expoentes, como o germânico-inglês Lucian Freud (1922-2011).

Essa enorme coleção de 16 mil quadros poderia ser o maior tesouro artístico do Brasil —não fossem todos esses trabalhos reproduções de imagens retiradas do internet, impressas ali mesmo sobre telas de algodão.

Produzido nos últimos quatro anos, o acervo entulha uma casa à beira da represa Guarapiranga, na zona sul de São Paulo.

O dono desse museu particular é um empresário do setor imobiliário que pretende fundar uma pinacoteca na região. Septuagenário, ele só consentiu em abrir sua casa para Folha se não tivesse o nome mencionado. "Ainda não estou pronto para a divulgação, pode ser até perigoso", justificou.

Diz que não espera ter lucro com seu sonhado centro cultural, que inclui salas de aula, jardins e um teatro chamado William Shakespeare. "No museu vai ser tudo grátis."

A construção desse museu caseiro se dá ali mesmo. Todas as reproduções são geradas por uma impressora Epson 11880 trazida do Japão por cerca de R$ 30 mil.

As imagens são baixadas da internet em alta resolução. O colecionador distribui em voz alta tarefas para seus funcionários: duas empregadas, uma advogada e um assistente. É preciso limpar, catalogar e escolher quais serão os próximos.

DIREITOS AUTORAIS

O homem que copia não tem medo de entraves com direitos autorais? "Não", garante. "São todas obras em domínio público." Três especialistas em leis de direito autoral discordam.

"Legalmente, a ideia é inviável", diz Laura Vinci de Moraes Delboni, advogada de direitos autorais.

"Toda obra reproduzida tem de ter autorização do artista e do detentor dos direitos patrimoniais. Além do direito patrimonial, de quem detém a obra, há o direito moral, que fica com os artistas e suas famílias, mesmo depois que a obra entra em domínio público", diz ela.

POLÍTICA

A empreitada ainda encontra problemas de acesso político. Após meses tentando se encontrar com um representante municipal, teve "uma reunião em pé" com o prefeito Fernando Haddad (PT). Afirma que entregou a Haddad um dossiê com seus planos. Não obteve resposta. "Mas não atribuo a ele a culpa. Era momento de eleição e ele estava dedicado àquilo".

O dono da coleção de impressões não espera investimento público: "Só quero que me concedam terras na região, que estão abandonadas." O resto, diz, sairá do seu bolso.

Sua família, aliás, fez fortuna loteando terras às margens da represa. Há na região um bairro chamado Jardim Três Marias, batizado em homenagem às suas três irmãs.

Ainda não tentou falar com o prefeito eleito, João Doria Jr. "Mas tenho a impressão de que ele é um burguês esperto, com capacidade de liderança muito grande." Em sua opinião, o museu poderá estar aberto em dois anos.

FLUTUANTES

Ele afirma que negocia com o Masp uma doação em dinheiro ("uns R$ 100 mil, R$ 200 mil") para que possa reproduzir todas as obras do museu da avenida Paulista no seu complexo cultural e em "até outras dez localidades pelo mundo".

O Masp responde sucintamente em nota: "A atual gestão do museu desconhece tal negociação ou proposta de doação".

E a pinacoteca não é o único plano para o quatrocentão de Guarapiranga. O amante das artes planeja construir duas galés de 70 metros para funcionarem como restaurantes flutuantes na represa.

"Já estou conversando com o pessoal do Eataly." A rede afirma não ter conhecimento dos planos.

Quando o repórter está prestes a sair da casa do curador de cópias, ele pede que seu assistente pessoal traga um rolo com dezenas de obras. Desenrola algumas de holandeses do século 18 e oferece: "Leva uma para você. Ou quer duas?".


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