Folha de S. Paulo


CRÍTICA / LIVROS

Francês constrói sofisticado thriller sobre morte de Barthes

Na tarde do dia 25 de fevereiro de 1980, Roland Barthes foi atropelado por uma caminhonete de lavanderia ao atravessar a rue des Écoles, em direção à sua sala no Collège de France, em Paris.

Sem documentos, foi levado a um hospital, morrendo logo depois. Consta que tinha acabado de sair de um almoço com François Mitterrand, candidato socialista à eleição presidencial do ano seguinte, e estava bastante angustiado pela morte recente da mãe.

É esse acontecimento, descrito em detalhes nas primeiras páginas, que deflagra a trama de "Quem Matou Roland Barthes?", do aclamado francês Laurent Binet. Partindo da hipótese de que o atropelamento de Barthes teria sido intencional e, portanto, um assassinato, Binet constrói um sofisticado thriller, no qual diversas elucubrações teóricas se articulam a uma mirabolante história policial.

Reprodução
Roland Barthes, em 1938, em foto de autoria desconhecida

Publicado na França em 2015, nas comemorações do centenário de Barthes, o livro tem como fio condutor a investigação desse suposto crime, feita por dois personagens fictícios: um delegado de meia-idade, pouco afeito ao que chama de "cretinices intelectuais", e um jovem professor versado em semiologia e filosofia francesas.

Ambos empreendem uma aventura detetivesca mirabolante, com cenas de assassinato por armas de fogo, envenenamento e estrangulamento, além de mutilações, atentados terroristas, perseguição de carros e ataques de cães.

Figuras ilustres da vida intelectual do tempo, como Michel Foucault, Jacques Derrida, Hélène Cixous, Umberto Eco e Phillippe Sollers (este, ridicularizado de forma impiedosa) também aparecem como personagens dessa sátira policial, capaz de envolver os leitores do início ao fim.

Soma-se a isso a insólita conjetura dos detetives quanto ao motivo do crime: Barthes teria sido morto porque possuía um misterioso documento sobre a "sétima função da linguagem", que o russo Roman Jakobson excluíra deliberadamente de sua teoria linguística por se tratar de "uma função mágica", capaz de conferir um enorme poder persuasivo a quem a detém.

Habilidoso no uso dos artifícios, Binet vale-se do humor para transformar teoria e realidade em ficção, misturando a interpretação detetivesca das pistas com a interpretação semiológica dos signos. Compõe, dessa forma, uma trama ao mesmo tempo erudita e hilária, que traz em seus interstícios as pistas teóricas para a interpretação do próprio livro.

Quem Matou Roland Barthes?
Laurent Binet
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Não obstante seus excessos, é um romance instigante e original, que encena ficcionalmente, por vias satíricas, as teorias que o sustentam.

MARIA ESTHER MACIEL é professora de literatura comparada na UFMG e autora, entre outros, de "Literatura e Animalidade" (Civilização Brasileira, 2016).

QUEM MATOU ROLAND BARTHES?
AUTOR Laurent Binet
TRADUÇÃO Rosa Freire d'Aguiar
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59,90 (416 págs.) e R$ 39,90 (e-book)
AVALIAÇÃO bom 


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