Folha de S. Paulo


Livro aborda o amor nas letras de Paulinho da Viola à luz da filosofia

Eliete Eça Negreiros não se divide entre música e filosofia, mas soma as duas áreas em que atua.

A cantora, 64, nome de destaque no grupo da vanguarda paulistana (Arrigo Barnabé e outros que despontaram nos anos 1980), está lançando o livro "Paulinho da Viola e o Elogio do Amor", adaptação da tese de doutorado que defendeu na USP.

Sua dissertação de mestrado, "Ensaiando a Canção: Paulinho da Viola e Outros Escritos", editada em 2011, também foi sobre o artista, que completou 74 anos no último sábado, 12 de novembro.

"Ouço Paulinho desde a adolescência. Aprendi muito sobre a vida ouvindo suas canções. Ele me apresentou a filosofia de um modo simples, direto e belo", diz ela. "Fiquei buscando um elo entre o samba e a filosofia até descobrir que eu já tinha esse elo."

Lewy Moraes - 1.jun.81/Folhapress
O cantor e compositor Paulinho da Viola posa para retrato no Rio de Janeiro, em 1981
O cantor e compositor Paulinho da Viola posa para retrato no Rio de Janeiro, em 1981

No novo trabalho, Negreiros analisa a forte presença do amor na obra de Paulinho filiando suas letras (e as de seus parceiros) à "tradição ocidental", de Platão e Aristóteles a Sigmund Freud e Walter Benjamin.

"Mesmo no disco mais triste de Paulinho, que é 'Nervos de Aço' (1973), não há melodrama nas letras", ressalta ela. "Há dor, tristeza, luto, mas nunca um transbordamento da emoção. Existe delicadeza, elegância, uma aceitação do sofrimento como parte da vida e um reconhecimento do desejo do outro."

No livro, Negreiros apresenta essas conclusões iluminando versos que, de tão cantados, parecem ter perdido parte de sua força original.

Assim, "Coisas do Mundo, Minha Nega", "Nada de Novo", "Para Ver as Meninas", "Coração Leviano" e outros sucessos do compositor têm seus significados realçados.

ALMA DO SAMBISTA

Um dos aspectos estudados é o papel do samba como tema e interlocutor. Segundo a autora, é como se o samba fosse "a alma do sambista". "Paulinho conversa com sua criação, acho isso maravilhoso", diz, e cita exemplos:

"Às vezes ele reclama da vida: 'Ah! Meu samba, tudo se transformou/ Nem as cordas do meu pinho/ Podem mais amenizar a dor' ['Tudo se Transformou'], e aí o samba é amigo, confidente."

Outras vezes, "reclama da indiferença do samba: 'Meu samba não se importa que eu esteja numa/ De andar roendo as unhas pela madrugada' ['Roendo as Unhas']. Às vezes ele conta o que aconteceu com seu samba: 'Meu samba andou parado até você aparecer' ['Num Samba Curto']."

O artista, que aprovou o livro anterior, ainda não comentou a nova publicação.

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"Na canção, a ideia de uma pele ferida é especialmente esclarecedora para a caracterização do estado melancólico, pois a ferida é precisamente a marca, o vestígio de algo que, embora tenha passado, ainda causa sofrimento. Ela é sinal do passado e da permanência da dor.

Há em algumas canções este singular paradoxo: por um lado, o poeta declara que a melancolia paralisa a sua alma, rouba-lhe a inspiração: 'Eu gostaria de ver essa tristeza passar/ Um novo samba compor, um novo amor encontrar/ Mas a tristeza é tão grande no meu peito/ Não sei pra que a gente fica desse jeito' ['Nada de Novo'].

Paulinho Da Viola E O Elogio Do Amor
Eliete Eça Negreiros
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E, por outro, a própria canção que lamenta a paralisia do pensamento e da emoção é fruto dessa tristeza. Então, a melancolia parece possuir esse ambíguo poder de paralisar o poeta, bloquear sua criação, pelo estado de abatimento a que o sujeito é reduzido, e ser, ao mesmo tempo, fonte de inspiração, motivo e móvel da canção.

Paulinho da Viola, seguindo a tradição de nosso cancioneiro, tem na saudade e na melancolia tema e motivo de inspiração."

Extraído de "Paulinho da Viola e o Elogio do Amor"

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PAULINHO DA VIOLA E O ELOGIO DO AMOR
AUTOR Eliete Eça Negreiros
EDITORA Ateliê
QUANTO R$ 41 (148 págs.)


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