Folha de S. Paulo


Fernanda Torres desbrava clássicos e faz esquetes em 'Minha Estupidez'

A estante de madeira que Fernanda Torres herdou de seu avô tem duas medidas. A primeira, mais precisa, dá conta de muito do que a atriz e escritora já leu na vida. A segunda, mais abstrata, ela calcula como sendo o tamanho de sua "estupidez" –isto é, os livros que ainda não chegaram até ali.

Assim, diante de sua biblioteca pessoal e com a obra "Viva o Povo Brasileiro" nas mãos, ela começa a gravação do primeiro dos cinco episódios de "Minha Estupidez" –que o GNT exibe desta segunda (14) a sexta (18), sempre às 23h.

O clássico de João Ubaldo Ribeiro era daquelas obras que, quando lhe pediam uma opinião, Fernanda escapava com um elogio vago, tentando disfarçar que nunca o lera (veja outros exemplos no quadro).

Quando o leu, procurou o escritor para contar a boa nova. O encontro virou mote de um episódio piloto em 2008, que nunca foi ao ar. Chega só agora, dois anos depois da morte de João Ubaldo.

No programa, ela mistura entrevistas sobre assuntos que não domina com esquetes cômicos –sempre inspirados por livros.
acessível

"Quando olho o Ubaldo, reconheço nele um Brasil que me orgulha, que me interessa. A gente carece de se identificar com pessoas como ele, como as que tentei entrevistar", diz a atriz, que escreve coluna na "Ilustrada" toda última sexta do mês.

Fernanda foi ouvir a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, sobre ódio. A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha sobre a ancestralidade e o genocídio indígena. E Caetano Veloso a respeito de "Tristes Trópicos", de Claude Lévi-Strauss –pensador citado pelo baiano na canção "O Estrangeiro", de 1989.

Também busca o ambientalista Antonio Nobre para aprender sobre aquecimento climático. E inclui na conversa esquetes sobre o desmatamento da Amazônia inspiradas em trechos da peça "Um Inimigo do Povo", do norueguês Henrik Ibsen.

"Quis mostrar como é acessível um livro que você pode achar inacessível. Ouvia Claude Lévi-Strauss e achava que não era para mim."

Fernanda criou um programa urgente. Em tempos de crise política e escalada das certezas da intolerância, a "estupidez" da artista joga luz sobre as raízes e as violências do Brasil.

Ficaram de fora da primeira temporada, porém, temas que ela gostaria de ter abordado, como o feminismo. Em fevereiro, um texto (para o blog "Agora É que São Elas", da Folha) de Fernanda que citou a "vitimização do feminismo" acabou sob fogo cruzado. No fim, ela se retratou.

"O 'mea culpa' não exclui o que penso. O texto valia para uma autoanálise, não para um blog que enfrenta outros blogs conservadores." Encerra o episódio com uma autoironia: "Falando de 'Minha Estupidez', foi um caso da minha estupidez", ri.

ANGÚSTIA

Enquanto o processo de impeachment de Dilma seguia em Brasília, Fernanda diz ter paralisado: "Não conseguia escrever. Não conseguia ler. Parecia que minha vida era pautada pelo que fosse decidido em Brasília, Parecia que não tinha sentido".

Em meio ao tempo "desesperador" em que o impeachment era assunto único, eis que Fernanda ouviu de uma amiga: melhor "lidar com o micro, já que o macro não está funcionando".

Um pouco como "Minha Estupidez", que "lida com o micro, com as pequenas conexões que refazem nossa identificação".

E a vida "naturalmente andou". Finalizou a série e, em 2017, estará na série "Filhos da Pátria" (Globo), de Bruno Mazzeo, sobre o início da corrupção no Brasil.

"A questão agora é: acho que em 2018 vai votar o Flá-Flu. Mas não consigo ver o Botafogo, o Palmeiras, não sei quem vai vir. Se vai vir."

NA TV
Minha Estupidez
QUANDO seg. a sex., 23h, no GNT


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