Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Com astúcia, Oliver Stone foge do heroísmo em 'Snowden'

trailer do filme

Reinterpretar momentos-chave da história americana contemporânea vem sendo a ambição imodesta de Oliver Stone desde que ele passou à direção nos anos 1980.

"Snowden - Herói ou Traidor" junta os dois temas fortes que sustentam e dão coerência ao cinema de Stone, ou seja, refletir sobre o alcance da ação individual frente à política e delatar a conspiração como uma forma de poder que aniquila qualquer resistência.

O impacto de seu novo filme vem do fato de Stone não aplicar seu revisionismo à história no passado, mas de focalizar as consequências no presente das denúncias feita por Edward Snowden dos programas criados pelas agências de inteligência, que permitem controles bem além dos já impostos pela razão do Estado de segurança.

Divulgação
O ator Joseph Gordon-Levitt como Edward Snowden em filme de Oliver Stone
O ator Joseph Gordon-Levitt como Edward Snowden em filme de Oliver Stone

O argumento oficial para concordarmos com a perda de privacidade baseia-se na noção de que ter acesso pleno a e-mails e a mensagens particulares pode, em tese, impedir uma ação terrorista.

O mesmo princípio, porém, acarreta o fim de toda liberdade individual, pois autoriza a vigilância ou a manipulação de informações pessoais por interesses que extrapolam muito o que se pode considerar bem comum.

A estreia do filme no dia seguinte à vitória de Donald Trump e seu ideário de América soberana torna ainda mais urgentes as questões que "Snowden" levanta.

O roteiro de Stone e Kieran Fitzgerald foi feito a partir de versões do caso publicadas em livros escritos por Anatoly Kucherena, advogado russo de Snowden, e pelo jornalista britânico Luke Harding, ambos preocupados em ressaltá-lo como personagem positivo.

O ângulo de Stone replica essa perspectiva, mas não insiste na representação de um herói puro e ironiza a ingenuidade dele, por exemplo, quando recebe o apelido de "Snow White" (Branca de Neve).

A estrutura em flashbacks permite elucidar quem é Snowden e por que ele tomou a decisão de denunciar. Mais que isso, o filme se apoia no princípio, elementar, de que cada um tem o direito de pensar e de fazer escolhas e que essas podem ou não concordar com o que quer a maioria.

Stone expõe essa noção tão básica por meio do relacionamento entre Edward e Lindsay, quando a namorada do programador questiona as angústias dele em relação ao trabalho, nas suspeitas enciumadas de que ela o trai e nas reações dele às imagens que ela publica num blog.

Isso não serve apenas como distração romântica. É por meio desses detalhes da intimidade que "Snowden" torna concreto o que soa muito abstrato quando pensamos em espiões da CIA vasculhando as bobagens que escrevemos no WhatsApp.

Com essas astúcias narrativas e emocionais, "Snowden" deixa de se confundir com a ficção, de parecer um equivalente frágil de James Bond ou de Jason Bourne, e se mostra como um personagem que, de fato, é cada um de nós.

SNOWDEN - HERÓI OU TRAIDOR (Snowden)
DIREÇÃO Oliver Stone
ELENCO Joseph Gordon-Levitt, Shailene Woodley, Melissa Leo
PRODUÇÃO EUA/ Alemanha/ França, 2016, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (10)


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