Folha de S. Paulo


Livro sobre tráfico imerge em mundo onde delírio e crime se entrelaçam

Marco Archer, o brasileiro condenado à morte por tráfico internacional de drogas e fuzilado na Indonésia, não é o personagem principal de "Nevando em Bali", da jornalista australiana Kathryn Bonella. Ainda assim, sem ele, boa parte das histórias contadas na obra não existiriam.

"Nevando em Bali" (expressão para designar a chegada do pó à ilha) é o último capítulo de uma trilogia que começou com a biografia de Schapelle Corby, australiana de 27 anos presa na ilha indonésia com cocaína na capa de sua prancha de surfe.

Reuters
Pranchas de brasileiros com compartimentos para transporte de drogas, na alfândega da Indonésia, em 2004
Pranchas de brasileiros com compartimentos para transporte de drogas, na alfândega da Indonésia, em 2004

O segundo livro, "Hotel K", retrata o presídio de segurança máxima de Bali onde heroína e metanfetamina circulam livremente, e de onde é possível sair para uma noitada ou um banho de mar dependendo do quanto se paga para o carcereiro certo.

"Ao entrevistar Corby durante meses no presídio, presenciei fatos e ouvi relatos que levaram ao segundo livro", conta ela, em entrevista à Folha. "Lá, conheci brasileiros que me falaram da vida dos traficantes na ativa que, por conhecerem meu trabalho, sabiam que não era uma policial disfarçada e toparam contar suas histórias."

Assim surgia o terceiro volume, que parte de entrevistas com traficantes para tratar da vida de extremos daqueles que se dedicam ao mercado negro das drogas.

BRASILEIROS

O protagonista da narrativa é o jovem Rafael, um brasileiro que realizou o sonho de surfar as ondas perfeitas de Bali e voltou ao Brasil com a mala cheia de sarongues para financiar uma segunda temporada na ilha. Foi quando conheceu Archer, em um bar, enquanto angariava fundos.

Archer, o Curumim do documentário de Marcos Prado (leia ao lado), foi quem o instigou a transportar uma carga tão mais valiosa quanto proibida e perigosa.

A experiência de levar skank, uma supermaconha, de Amsterdã para Bali foi vitoriosa. E despertou nele a ideia de alçar voo próprio: traficar cocaína do Peru para a ilha.

Em pouco tempo, ele seria um dos chefes do comércio da droga no destino mais badalado do Oriente. "Os brasileiros se tornaram os principais traficantes de cocaína de Bali", conta Bonella.

"Isso ocorreu porque os surfistas do país descobriram na atividade a maneira mais rápida de bancarem seus estilos de vida. Além disso, levantam menos suspeitas que peruanos e bolivianos por serem mais viajados e, em geral, falarem bem o inglês."

O alto risco é proporcional à promessa de fortuna. Bali, além de destino de 3 milhões de turistas por ano, tornou-se também rota de tráfico cobiçada, pois desemboca na Austrália, onde tudo é mais caro. Ali, a cocaína comprada por cerca de US$ 5.000 o quilo no Peru vale US$ 120 mil, incremento de 2.300%.

O livro entrelaça baladas e orgias, delírio e crime em trajetórias de vida que subitamente vão do sonho à tragédia. "Mesmo enquanto Archer estava no corredor da morte, havia fila de brasileiros querendo levar cocaína para Bali", conta ela. "A pena de morte na Indonésia não funcionou como dissuasor."

Nevendo Em Bali
Kathryn Bonella
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Bonella, que esteve no presídio com o brasileiro, afirma, no entanto, que sua execução mudou esse jogo apenas temporariamente. "Quando ele foi fuzilado, os brasileiros ficaram apavorados." Mas o pânico, segundo ela, durou pouco. À medida que a lembrança de sua morte esvaecia, voltava a nevar em Bali.

NEVANDO EM BALI
AUTORA Kathryn Bonella
TRADUÇÃO Leandro Franz
EDITORA Geração Editorial
QUANTO R$ 54 (368 págs.)


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