Folha de S. Paulo


'The Crown' aborda conflitos interiores da jovem rainha Elizabeth 2ª

Quando o avião real pousou em solo britânico, em 8 de fevereiro de 1952, Elizabeth, 25, regressava do Quênia para um país diferente da Inglaterra que deixara para trás.

Ali se tornaria a segunda rainha Elizabeth. Num primeiro ato, isso significava manter o marido, Phillip, dois passos atrás dela ao desembarcar da aeronave por uma escada metálica, num gesto que se repete desde então onde quer que o casal esteja.

"Nos anos 1950, essa reverência devia ser incrivelmente difícil para um homem", diz a atriz Claire Foy, 32, logo após reviver a cena histórica na pele da rainha para a série "The Crown", que a Netflix lançou na sexta (4).

A Folha acompanhou as filmagens dessa sequência em um aeroporto desativado no litoral sul da Inglaterra.

"Elizabeth sempre foi muito preto no branco, ela e a coroa eram coisas diferentes. Mas talvez Phillip visse isso. Ela fica quase desapontada por ele não sacar que ela é a rainha", conta a atriz. A intimidade com que Foy fala sobre a Elizabeth ressoa a proposta de "The Crown".

Em dez episódios, a primeira temporada mostra as intrigas políticas, retratadas em livros históricos, e tenta se aproximar do que seriam os conflitos interiores de Elizabeth em seus primeiros anos de reinado, quando precisou deixar a jovem insegura de olhar trêmulo para trás para se transformar em uma chefe de Estado –hoje, a mais longeva da Inglaterra.

"Tentamos imaginar o que acontecia a portas fechadas. Foram dois anos de pesquisa em biografias e arquivos. Mas, sim, em alguns momentos acabamos extrapolando", diz o produtor Andrew Eaton, que brinca: "Uma das coisas boas de retratar a Família Real é que eles nunca vão te processar".

A quantidade de cigarros consumida pela monarquia nas cenas e um certo despudor em retratar a intimidade do casal real sugerem que a produção não teve receio de desagradá-los, embora Eaton garanta que não há ofensas. "A ideia não é denegrir, mas analisar o que Elizabeth significa."

OPULÊNCIA

"The Crown" foi escrita por Peter Morgan, indicado ao Oscar pelo roteiro de "A Rainha", longa que consagrou Helen Mirren com um Oscar de melhor atriz. Mirren se reecontrou com a personagem e com Morgan na peça "The Audience", da Broadway, sobre as reuniões semanais da monarca com os primeiros-ministros.

Vendeu o projeto à Netflix e convocou o cineasta Stephen Daldry, de "Billy Elliot", para dirigir um projeto opulento. Estima-se que "The Crown" tenha custado 100 milhões de libras (cerca de R$ 402 milhões) e seja a segunda produção mais cara do serviço de streaming, atrás apenas de "The Get Down".

Questionado sobre os custos, Eaton desconversa e diz que o orçamento cobriu duas temporadas com dez episódios de uma hora cada um.

Um passeio pelos cenários não deixa dúvidas do alto investimento. A produção alugou os mesmos estúdios onde George Lucas rodou a primeira trilogia de "Star Wars" para reconstruir, com madeira, ambientes internos do Palácio de Buckingham e de 10 Downing Street, residência do primeiro-ministro.

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O PESO DA COROA

Talvez a cena mais reveladora de "The Crown" seja a da coroação, no quinto episódio, em que uma tão assustada quanto determinada Elizabeth discute com o marido nos preparativos da cerimônia.

Na primeira vez em que veste a coroa, a rainha de Claire Foy mal consegue se equilibrar em pé com cinco quilos de joias sobre a cabeça. "Esse trabalho não tem nada a ver com ser uma princesa da Disney", resume a atriz.

Na época em que assumiu o trono, pesava também sobre a rainha também uma Inglaterra, embora com a pujança da vitória, em recuperação de duas guerras mundiais. "O movimento operário era forte, o país estava extremamente pobre. Havia todas as razões para dizerem: 'Não vamos mais pagar impostos para a família real'", diz John Lithgow, intérprete de Winston Churchill.

A avalanche de suvenires estampados com o rosto do bebê George, bisneto da rainha, são um sintoma de que a monarquia seguiu firme. A obsessão de tabloides pela família real, também.

No entanto, Daldry vende "The Crown" menos como narrativa histórica e mais como um drama familiar no qual a política é apenas uma camada. "É sobre uma família constantemente em crise, mas por acaso acontece de eles serem a família real."

Também não deixa de ser uma crônica sobre a televisão. Foi a primeira (e única) vez que uma cerimônia do gênero foi filmada na história da Inglaterra. Estima-se que 40% da população do país tenha acompanhado o evento ao vivo.

A transmissão durou onze horas e só foi interrompida quando o arcebispo de Canterbury ungiu a rainha com o óleo sagrado da dinastia. "Não é para mortais assistirem", comenta um personagem, diante de uma TV.

O produtor Andrew Eaton espera que sua série cubra a biografia da rainha até a sua morte. Difícil é prever em que plataforma o mundo irá assistir à coroação de seu sucessor.

A jornalista GABRIELA SÁ PESSOA viajou a convite da Netflix


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