Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Aos 30, 'Roda Viva' vive dilema da relevância após perder o prumo

Ao festejar 30 anos, o "Roda Viva" exibiu na segunda (31) um programa especial com o tema "Dilemas Contemporâneos", ao longo do qual uma turma de "influenciadores digitais" entrevistou o historiador Leandro Karnal e o filósofo Luiz Felipe Pondé.

Foi uma noite agradável, eventualmente curiosa, na qual os entrevistadores trataram os entrevistados com tanta reverência que, em alguns momentos, pareciam pacientes diante dos terapeutas.

Um dilema que diz respeito ao próprio programa da TV Cultura, tão ou mais premente quanto os mencionados na segunda-feira, não foi debatido: como fazer o "Roda Viva" voltar a ser relevante?

A questão, em todo caso, ficou no ar. Afinal, qual seria o objetivo de convidar "influenciadores digitais, que têm milhões de seguidores na rede" para o programa, senão acenar para um novo público?

"O mais tradicional programa de debates da televisão brasileira", como anuncia a própria emissora, perdeu o prumo em 2010, quando abandonou, sem maiores explicações, o formato que o consagrou –a famosa arena pluralista e, às vezes, caótica, na qual os entrevistadores disputavam o direito de inquirir os convidados.

O "Roda Viva", então, deixou de ser ao vivo e estabeleceu Marília Gabriela como apresentadora ao lado de dois debatedores fixos (Augusto Nunes e Paulo Moreira Leite), em uma bancada comum, como a das outras emissoras. "Um programa novo, após quase 25 anos, era o mínimo a fazer", ela justificou à época.

A experiência durou apenas um ano, mas foi um tombo do qual o programa não se recuperou totalmente. Restaurado o antigo formato, em 2011, Mario Sergio Conti assumiu a bancada por dois anos. Foi demitido por ter "salário alto", segundo a versão oficial. Ou, como relatou Elio Gaspari, por um desentendimento com a direção sobre a autonomia para escolher os convidados.

Em setembro de 2013, Augusto Nunes assumiu, pela segunda vez, o posto de apresentador (ele havia ocupado a função entre 1987 e 1989).

É curioso observar como, nestes últimos anos, com um cenário tão favorável a um programa de entrevistas, por causa das crises política e econômica, o "Roda Viva" não tem ressoado.

Tenho algumas hipóteses para a perda de relevância. A gravidade da situação do país se fez acompanhar de uma estridência raras vezes vista nos debates –uma polarização tão intensa que se perdeu o interesse em, realmente, ouvir o que o outro lado tem a dizer.

Também contribui o fato de o apresentador, diferentemente do que ocorreu em outros períodos, ser visto não em uma posição superior, mas como parte do debate.

Por fim, me parece que as "novas gerações", alvo do programa especial desta semana, não estão nem aí para a televisão tradicional.


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