Folha de S. Paulo


Crítico à era Kirchner, 'El Ciudadano Ilustre' encerra o Festival do Rio

Uma sociedade ignorante, cafona, sem perspectivas, chauvinista e generosa é a argentina sob o kirchnerismo (2003-15) aos olhos dos diretores Mariano Cohn e Gastón Duprat. É também a Argentina de "El Ciudadano Ilustre" (o cidadão ilustre), aposta do país para concorrer ao Oscar e filme que encerra o Festival do Rio neste domingo (16).

A comédia, sobre um escritor famoso que retorna à sua cidade 40 anos depois de deixá-la, retrata a vida no interior do país, mas, segundo Cohn, representa também o cotidiano dos argentinos em geral na última década.

"O cinema argentino não se atreveu a retratar de modo crítico esse período. O filme mostra coisas habituais que, por tão cotidianas, não questionamos: a política, o peronismo, a relação com a cultura, a violência", diz Cohn à Folha.

Divulgação
Os atores Dady Brieva e Oscar Martínez em cena do longa de Gastón Duprat e Mariano Cohn, El Ciudadano Ilustre
Dady Brieva e Oscar Martínez em cena do longa de Gastón Duprat e Mariano Cohn, 'El Ciudadano Ilustre'

Segundo o diretor, colocar o argentino diante do espelho é uma das chaves do sucesso do filme, o quarto mais assistido no país neste ano, com 486,9 mil ingressos vendidos até segunda-feira (10).

Para contrapor a realidade da população interiorana, Cohn e Duprat projetaram um protagonista culto, mas soberbo e de vida vazia.

Daniel Montovani (Oscar Martínez, que ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza) é um Nobel de Literatura que vive em Barcelona sozinho em uma mansão moderna e minimalista. Está há cinco anos sem escrever quando é convidado a receber o título de cidadão ilustre da cidadezinha onde nasceu na Argentina.

Lá, seu estilo de vida se chocará com o de seus conterrâneos em cenas hilárias.

"O filme faz refletir sobre esse vazio [do escritor] em uma sociedade morta. Há atitudes do povo da cidade muito criticadas, mas há nobreza e generosidade", afirma Cohn.

O longa é o terceiro de ficção dos diretores situado no mundo da arte e que, nas falas dos personagens, questiona alguns dos cânones desse universo. Em todos esses filmes, o roteiro ficou nas mãos do irmão de Duprat, Andrés.

Em "El Ciudadano Ilustre", Montovani defende o fim do subsídio estatal à cultura e diz que prêmios e aprovações unânimes representam o ocaso do artista. Mas Duprat e Cohn discordam da primeira afirmação e lembram que recebem subsídios para realizar seus trabalhos.

Sobre a segunda, dizem que em alguns casos faz sentido. "Há algo de negativo em ser muito premiado. Você já é cômodo para todo mundo", acrescente Duprat.

"El Ciudadano Ilustre" deverá estrear nos cinemas brasileiros, mas a data ainda não está definida.


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