Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Bufão e blasfemo, Dario Fo foi muito além da dramaturgia

Morto nesta quinta-feira (13) aos 90 anos, o italiano Dario Fo, bufão, dramaturgo e quase tudo mais no palco, foi um vencedor controverso do Nobel de literatura, em 1997, premiado antes por sua trajetória voltada à retomada da literatura oral e popular do que à palavra escrita.

De todo modo, desde 1982, quando Antonio Fagundes protagonizou "Morte Acidental de um Anarquista", até a mais recente montagem da peça, ainda em cartaz em São Paulo com Dan Stulbach, sua dramaturgia foi referência de comicidade e politização para o teatro brasileiro, em especial o paulistano.

Além dos dois citados, outros atores que devem a Fo algumas de suas principais atuações são Marília Pêra, que interpretou "Brincando em Cima Daquilo", Denise Stoklos, com "Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico", Osmar Prado, com "O Fabuloso Obsceno", e Domingos Montagner, com "Mistero Buffo".

O próprio Fo protagonizou um momento histórico do teatro no país ao apresentar sozinho a mesma "Mistero Buffo" em 1989, com palco e auditório lotados no Mars, na Bela Vista, em São Paulo. Revelou-se então a sua arte por inteiro, não restrita ao texto escrito, mas partindo dele.

Entre as cenas que apresentou naquela noite, com caráter em parte didático, voltado aos próprios artistas, ele exemplificou um de seus recursos característicos, o Grammelot, o jogo onomatopaico com palavras sem sentido, parte do esforço de lançar pontes à commedia dell'arte, do século 15.

Marcadamente político e ligado à esquerda, era também crítico dela. No final da vida, pós-Operação Mãos Limpas, sua militância partidária foi próxima a Beppe Grillo, comediante como ele, mas não necessariamente à esquerda e sim contrário ao sistema —e a quem procurava defender do que via como estigmatização.

Não se encaixava com facilidade também no teatro socialista. Questionava Brecht, por exemplo, por identificar inspiração burguesa nas peças e teorias do autor alemão, diferentemente do seu, mais ligado à tradição popular, que vinha da Idade Média. Com uma diferença: era anticlerical, blasfemo até.

"Morte Acidental", texto com que o diretor Antonio Abujamra o apresentou e popularizou no Brasil, marcou o final da ditadura militar no teatro. Uma cena, em especial, marcou a longa temporada. Fagundes, um louco numa delegacia, citava o "governo", dirigindo-se ao público, que completava: "Filho da puta!".

Em cartaz agora, o contexto é outro, mas a versatilidade do texto de Fo o torna novamente atual. O Louco de Stulbach aborda indiretamente a Operação Lava Jato no que revela e também no que esconde. E exorta o público à tomada de consciência e do poder, sem intermediários de quaisquer cores.


Endereço da página:

Links no texto: