Transparências e uso de roupas íntimas como adornos marcam temporada de verão do evento francês, inspirado pelo movimento feminista que pede 'liberdade aos mamilos'
"Free the nipple". A última moda em Paris é uma resposta literal ao movimento ("liberte o mamilo", em português), iniciado no ano passado na internet com hashtag homônima ao filme da ativista Lina Esco, de 2014 –crônica sobre a hipocrisia do discurso anti-topless nos EUA.
Na semana de moda parisiense, que terminou na quarta-feira (5), estilistas e celebridades fizeram a versão fashion da queima dos sutiãs do concurso Miss América 1968, marco simbólico da luta feminista por igualdade.
Bertrand Guay/AFP | ||
A modelo Constance Jablonski durante o desfile da Balmain em Paris |
Já no primeiro dia da temporada de verão 2017, a grife Saint Laurent colocou as modelos de peito aberto para os flashes em robes amarrados na gola. O estilista belga Anthony Vaccarello também investiu no fetiche, com couro e rendas, numa reverência roqueira e erótica aos anos 1980.
Na sequência, a Balmain revelou pedaços da pele em robes transparentes. Mais andrógina, ainda que na mesma linha de pensamento, a nova diretora criativa da Lanvin, Bouchra Jarrar, também seguiu pelo caminho das transparências, numa óbvia lua de mel com o despudoramento corretinho da estação.
É que, quando se trata de grifes tradicionais como as do calendário de Paris, há um tom de recato nesse bojo.
Em sua estreia na Dior, a italiana Maria Grazia Chiuri transformou o feminismo num espetáculo de balé, com várias propostas de saias e vestidos de tule bordados com imagens pueris de corações, estrelas e símbolos do tarô.
Há outras maneiras, controversas, de usar a roupa íntima sem jogá-la no lixo. O sutiã, peça-chave da tendência, apareceu como adorno, sem o viés utilitário, nos desfiles do estilista Giambattista Valli e das grifes Kenzo e Céline.
A modelo e celebridade das redes sociais Kendall Jenner, do clã das irmãs Kardashian, aderiu à novidade. Por sua vez, a mais famosa da família, Kim, não atraiu o noticiário apenas pelo assalto milionário que sofreu na madrugada da segunda (3) em seu hotel.
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Modelo desfila coleção verão 20174 da Kenzo |
Poucas horas antes do roubo, fato mais comentado da semana, foi fotografada no desfile da Givenchy com um vestido rendado coberto por um robe de cetim. O truque de estilo é aposta da temporada.
Na grife Alexander McQueen, por exemplo, a estilista Sarah Burton mostrou a peça de cima da lingerie sobreposta a um paletó bordado.
EVOLUÇÃO REBELDE
A ideia por trás desse ato de vestir para despir é abolir traços do aprisionamento do corpo que o sutiã representa no guarda-roupa feminino.
Mesmo criado no início do século 20 e patenteado em 1914 pela ativista americana Mary Phelps Jacob (1891-1970)como uma espécie de "evolução rebelde" do espartilho, o sutiã ainda faz referência ao tempo em que mulheres quebravam costelas e perfuravam pulmões para mostrar corpos de sílfide para os homens.
Com o passar dos anos, ele adquiriu contornos eróticos e, paulatinamente, virou acessório de moda combinado à calcinha, à cinta-liga, à camisola e ao robe. Por isso, não deverá sair tão cedo do corpo.
Do ponto de vista mercadológico, a sacada da lingerie aparente é uma mina de ouro para as grifes, atentas ao sucesso comercial de marcas como a americana Victoria's Secret e a italiana Intimissimi no ramo do prêt-à-porter.
Os desfiles dessas etiquetas, sempre midiáticos, atraem pelas produções extravagantes e pelas possibilidades de uso da roupa íntima.
A "ousadia" dos desfiles em Paris, então, vai além dos ideais de liberdade feminina. Para os empresários do luxo, que hoje têm receita concentrada na venda de fragrâncias e acessórios, a roupa de baixo pode surgir como o "novo perfume", uma fatia do negócio mais barata, sensorial e sexy que a das roupas de fora.