Folha de S. Paulo


Crítica

'Inutilezas' dá corpo e voz aos poemas de Manoel de Barros

"É preciso desinventar os objetos. O pente, por exemplo. É preciso dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia." É assim que começa "Inutilezas", adaptando trecho de "Uma Didática da Invenção".

Roteirizado pela jornalista e atriz Bianca Ramoneda, junto com o ator Gabriel Braga Nunes e o diretor Moacir Chaves, este uma autoridade na transposição de textos não teatrais ao palco, o espetáculo vai muito além de um recital de Manoel de Barros.

O próprio poeta mato-grossense, morto aos 97 em 2014, escreveu quando de uma primeira versão do espetáculo, há mais de uma década: "Não estou acreditando no que vi! Um teatro verdadeiro. Não é declamação de versos. É uma representação da palavra. Com os personagens vivos e as suas contradições".

Lenise Pinheiro/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil. Data 02-09-2016. Espetaculo Inutilezas. Atores Gabriel Braga Nunes (esq) e Bianca Ramoneda. Auditorio Sesc Pinheiros. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
Gabriel Braga Nunes em 'Inutilezas'

Também é mais que a representação por vezes dramática, outras cômica, de personagens. O resultado é ao mesmo tempo mais singelo e multifacetado, com os atores avançando sobre o texto de diferentes ângulos. Às vezes conversam, noutras devaneiam. Lembram dois irmãos, um casal, o poeta.

O que se vê no palco, nesta curta temporada no Sesc Pinheiros, é um Gabriel Braga Nunes que surpreende pela contenção, por pequenos gestos, quando muito um sorriso de ironia. E uma Bianca Ramoneda que causa admiração pela desenvoltura, inclusive emocional. Seu rosto é conhecido do telejornalismo, mas ela tem trajetória persistente no teatro.

A exemplo do que se viu com "Sermão da Quarta-Feira de Cinza", do Padre Vieira, Chaves consegue criar entre os atores e com a plateia um ambiente de comunhão, cumplicidade, no pequeno auditório. Os versos são expressos muitas vezes diretamente ao espectador.

A proximidade parece ser alcançada pelo elenco, em parte, devido à extensa familiaridade com os textos, desde a primeira versão.

Ramoneda, Nunes e Chaves, de todo modo, escrevem no programa que "Inutilezas", neste ano do centenário de Manoel de Barros, a ser completado em dezembro, não é o mesmo espetáculo. Para o processo de recriação, partiram de um verso do mesmo poema "Uma didática da invenção": "Repetir repetir – até ficar diferente".

O cenário é quase nada, duas poltronas escuras, gaiolas de passarinho, chão de madeira, como se imagina que tenha sido na casa do poeta, em Campo Grande, no final de sua vida.

É de lá que os dois atores conversam com o espectador e, de certa maneira, com a música, interpretada por Chico Oliveira como um sonoplasta de rádio, quase um terceiro ator, a sublinhar os versos, reagir a eles.

INUTILEZAS
QUANDO qui. a sáb., às 20h30; até 1º/10
ONDE Sesc Pinheiros - Auditório - rua Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO: R$ 7,50 a R$ 25


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