Folha de S. Paulo


Maestro John Neschling fica em silêncio na CPI do Municipal

Suamy Beydoun -17.ago.2016/Futura Press/Folhapress
Neschling em depoimento à CPI do Municipal
John Neschling durante depoimento à CPI do Municipal, em agosto passado

Dez dias após ser afastado do cargo de diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo, o maestro John Neschling foi intimado a comparecer a sessão da CPI da Câmara Municipal que investiga irregularidades nas contas do teatro.
Ele já havia prestado depoimento em agosto, mas nesta quarta-feira permaneceu em silêncio diante de todos os questionamentos feitos pelos vereadores da comissão.

Neschling foi questionado sobre sua ligação com o agente Valentin Proczysnki, desta vez na presença de José Luiz Herencia, ex-diretor geral do Municipal.

Investigado na CPI por participação, por ele confessada, em esquema de desvio de verba e uso de notas frias, Herencia apontou em delação premiada ao Ministério Público conflitos de interesses na contratação de Proczynski, de quem Neschling também comprava espetáculos.

Por um desses trabalhos foi pago o valor de cerca de R$ 1 milhão, mas a obra não entrou em cartaz, e o valor desembolsado não foi restituído.

Durante a sessão, foi exibido um documento, do fim do ano passado, que teria sido alterado por Neschling a fim de adicionar 8.000 euros ao valor de contratação de outro espetáculo vendido por Proczynski, "El Amor Brujo", que estava na grade de 2015 e passou para a de 2016.

O papel contém a modificação à mão com uma rubrica ao lado, que Herencia disse à CPI se parecer com a assinatura de Neschling. Segundo os membros da comissão, o documento passará por exame grafotécnico.

Entre as perguntas apresentadas a Neschling, estiveram questionamentos específicos envolvendo a escritora Patrícia Melo, mulher e sócia do maestro.

Os vereadores queriam saber se ela exercia algum tipo de autoridade dentro do teatro, mesmo sem ser funcionária da casa.

Segundo disse Herencia à CPI, Neschling permitia a sua mulher dar voz de comando dentro do Municipal, inclusive em decisões de natureza artística.

DEMISSÃO

Os participantes da CPI também perguntaram ao maestro qual teria sido a razão apresentada pelo Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, organização que administra o Municipal, para sua demissão.

A demissão de Neschling foi anunciada publicamente, mas não suas motivações. A Folha também inquiriu a assessoria do teatro e a prefeitura a respeito da demissão, mas nenhuma justificativa foi apresentada.

Os advogados de Neschling afirmaram que as questões dirigidas ao maestro o expuseram a "vexame".

"A Poder nenhum é dado violar os direitos do cidadão, mas o que se viu no Plenário da Câmara hoje foi muito mais: constituiu-se no desrespeito aberto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Abandonou-se a civilização; caminhamos por caminhos bárbaros", disseram.

Leia a seguir a íntegra da nota enviada pelos defensores do maestro, Eduardo Pizarro Carnelós e Roberto Garcia.

"Hoje, o Maestro John Neschling compareceu, por seus próprios meios, à CPI, para ser submetido a acareação com confesso criminoso. Não houve condução coercitiva, ao contrário do que se tem divulgado. Ao ser comunicado pelo oficial de Justiça que seu comparecimento fora determinado, o maestro dirigiu-se à Câmara, juntamente com seu advogado. A acareação, que não ocorrera anteriormente por determinação judicial, foi autorizada pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo, determinando-se aos vereadores, dentre outras balizas, respeito ao exercício do direito de defesa, do direito ao silêncio e a proibição de exposição do maestro a ato vexatório.

Em desrespeito aberto ao determinado pelo Tribunal de Justiça, a CPI chamou de palhaço o advogado que naquela casa exercia seu mister, achincalhando o direito de defesa; expôs John Neschling a vexame ao, percebendo que exercia o direito ao silêncio, imputar-lhe mentirosamente, entre outras inverdades, a demissão de pessoas pelo simples fato de serem portadoras de deficiência física; e lançou para a captação das câmeras o famoso e autoritário "quem cala consente" – numa democracia, quem cala exerce direito constitucional! –, transmudando em estigma o exercício do direito cujo respeito foi determinado expressamente pelo tribunal.

A Poder nenhum é dado violar os direitos do cidadão, mas o que se viu no Plenário da Câmara hoje foi muito mais: constituiu-se no desrespeito aberto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Abandonou-se a civilização; caminhamos por caminhos bárbaros.

Aos que se regozijam com tamanho show de horrores, resta lembrar que o arbítrio que atinge desafetos pode também atingir entes queridos e as próprias pessoas que o aplaudiram no primeiro momento. O resultado do ato comprova que ele nunca se destinou a apurar fatos, mas a permitir que vereadores em campanha por suas reeleições usassem o instrumento da CPI para se promoverem, às custas dos direitos constitucionais de um homem de bem."


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